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O inimigo interno à espreita

Seja durante a inauguração de obras, seja em atos políticos ou mesmo na TV, tem sido recorrente na esfera do governo o recurso retórico ao inimigo interno — aqueles que trabalham contra o Brasil e que tramam nas sombras para desunir e destruir o que quer que seja.

Para mim é uma lástima ver colegas de geração fazendo uso da mesma fantasmagoria que instilou, entre outras obscenidades da nossa história política, a doutrina de segurança nacional — o “alvará” da perseguição durante a ditadura.

Se o alarde viesse do ex-presidente Lula, vá lá. Lula construiu sua identidade política ao longo dos anos a partir de sucessivas negações. Dos “pelegos” dos tempos sindicais aos “reacionários” da Constituinte, passando por “oligarquias” e “neoliberais” até chegar às “elites”, Lula sempre estigmatizou adversários para mostrar-se munido de propósitos superiores.

Se Lula conservou a política dos neoliberais, se foi sustentado no governo pelas oligarquias ou se recorreu à malfadada privatização para destravar os investimentos, para ele nada disso importa. Lula era ‘bom’ quando tudo isso era ‘mau’.

Mas para o atual governo, 25 anos depois da Constituinte nos restituir a democracia, as eleições diretas, a alternância de poder e transições civilizadas, o retorno desta retórica do inimigo interno é melancólico (para dizer o mínimo).

Após 10 anos no poder, com sindicatos e boa parte dos movimentos sociais domesticados, uma base aliada formada por quase 25 partidos e 450 deputados e senadores, não consigo vislumbrar quem são, onde estão e qual o poder de fogo destes que tanto ameaçam o governo federal.

Fora a megalomania salvacionista, autoritária e um tanto paranoica, este discurso não passa de uma cortina de fumaça recauchutada. Principalmente em tempos de Comissão da Verdade, que desmascara dia após dia a mentira do inimigo interno criado pela ditadura.

Não é de hoje que o PT confunde o destino do governo com os destinos do país. O curioso é que o recurso ao inimigo interno, à esquerda e à direita, sempre serviu a regimes que conviviam mal com a pluralidade, a divergência e a tolerância.

No fundo, é um artifício reativo e conservador daqueles que, incapazes de transformarem a realidade com o poder que detêm, se empenham para que tudo, ao menos, permaneça como está. A incompetência do governo não é culpa dos outros.

José Aníbal é economista, deputado federal licenciado (PSDB-SP) e secretário de Energia de São Paulo.

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