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AS PRIVATIZAÇÕES REAVALIADAS

Apesar da borrasca, que vem vindo forte sobre a economia global, tem-se a impressão de que vivemos numa ilha, espero que não seja a da fantasia. Em algum momento e em alguma medida as trovoadas atingirão a nossa economia, hoje mais sólida. Dentre os fatores que nos permitem enfrentar as dificuldades globais, quatro são fundamentais: a abertura comercial, a estabilização monetária, algumas mudanças nas formas e condutas administrativas e as privatizações. Alguns destes fatores costumam ser louvados, outros nem tanto e outros ainda são postos à margem. A estabilização, resultante do Plano Real, costuma ser gabada por todos, mesmo pelos que se opuseram a ele no passado. A abertura fica em geral esquecida, dado que foi iniciada no governo Collor, não muito amado. Algumas mudanças administrativas, como a criação de agências regulatórias e a independência, na prática, do Banco Central, foram absorvidas pouco a pouco. As privatizações, embora mantidas até hoje, são objeto de “repulsa ideológica”, mais do que de controvérsia ou crítica consistente.

No momento em que a privatização do Sistema Telebrás está completando dez anos, é hora de rever as apreciações sobre seu significado para a economia e para o modo de funcionar do Estado brasileiro. As privatizações foram feitas a partir de 1991, seguindo a lei de que resultou o Plano Nacional de Desestatização, reestruturado no governo Itamar Franco. É verdade que nem todas as privatizações tiveram êxito equivalente ao do sistema de telecomunicações, mesmo porque não é fácil encontrar um administrador de pulso e um político de visão como Sergio Motta. Sergio ganhou o apoio do corpo técnico das antigas estatais e se lançou com dedicação e energia à criação do novo modelo. Não presumiu saber tudo. Ao contrário, chamou técnicos experientes de uma assessoria internacional e enfrentou o debate público sobre os novos caminhos das telecomunicações, sempre com meu apoio direto.

O primeiro passo para a reconstrução dos serviços de telecomunicações foi dado em agosto de 1995, com a mudança constitucional que aboliu o monopólio estatal. Menos de um ano depois, em julho de 1996, o Senado aprovava a chamada Lei Mínima das Telecomunicações, que permitiu a venda de licenças para a concessão da exploração dos celulares, a banda B. Nas duas Casas legislativas a maioria a favor foi esmagadora, opondo-se à mudança um grupo de retrógrados, sempre se auto-intitulando progressistas e defensores dos interesses populares. Faltava-lhes visão de futuro e a percepção de que as novas tecnologias e o dinamismo competitivo entre as empresas, sob supervisão do Estado, garantiriam amplo acesso da população aos meios de comunicação e o barateamento dos serviços.

O passo seguinte foi dado em dezembro de 1996 com o envio ao Congresso do projeto sobre a Lei Geral das Telecomunicações e com a criação da Anatel, projeto que foi debatido, modificado e aprovado pelas duas Casas. Em 16 de julho de 1997 promulguei a nova legislação. Estavam criadas as condições para o Brasil entrar na era eletrônica, da internet, do wireless, da banda larga, dos celulares com seus pré-pagos, da universalização do acesso à telefonia e aos serviços de telecomunicações.

Daí por diante travamos a batalha para mostrar que as concessões foram vantajosas e que o processo de privatização decorreu de forma transparente, com leilões públicos que renderam ao Tesouro polpudos ingressos, cerca de US$ 19 bilhões pela venda de cerca de 20% das ações da Telebrás. As demais, embora não fizessem parte do bloco de controle, já estavam nas mãos de indivíduos e empresas. A este montante se soma o resultado das concessões de exploração dos celulares e de outros serviços, num total de cerca de US$ 30 bilhões. Entretanto, não foi só por isso que fizemos a privatização das telecomunicações, nem foi essa sua única vantagem. A principal foi a absorção rápida de novas tecnologias e a continuidade dos investimentos, livres das peias burocráticas do monopólio estatal e das restrições orçamentárias que ele acarretava, inclusive para a contratação de financiamentos. De 1998 até hoje as empresas de telecomunicação investiram cerca de R$ 140 bilhões na melhoria e expansão do sistema, o que seria impossível com recursos do governo.

A gritaria a respeito do que se chamou maldosamente de “privataria” não se sustenta. O BNDES apresentou publicamente as regras dos leilões, respeitando estritamente a diretiva constitucional da publicidade. Nenhuma delas foi modificada posteriormente, de modo que outro princípio constitucional, o da impessoalidade, também foi obedecido. Por fim, o terceiro ditame constitucional, o da economicidade, cumpriu-se integralmente. Saía vencedor o consórcio que apresentava em envelope fechado a maior oferta. A celeuma causada pelas discussões entre o ministro das Comunicações, o presidente do BNDES e o Banco do Brasil baseou-se na incompreensão da natureza do processo: quanto mais concorrentes houvesse, maior lucro para o Tesouro. Era natural que o governo se empenhasse em suscitar mais competidores e que o Banco do Brasil desse cartas de fiança (pelas quais cobrava) para assegurar, com a garantia das ações vendidas, que o vencedor pagaria a primeira parcela ao Tesouro. No caso desta celeuma o consórcio em causa perdeu o leilão, não tendo qualquer cabimento falar-se em favorecimento. Ademais, o Tribunal de Contas da União e o chefe de sua Procuradoria analisaram, julgaram e opinaram pela lisura dos procedimentos.

Os objetivos fundamentais da privatização das telecomunicações foram alcançados. A telefonia fixa passou de 20 milhões para 40 milhões de aparelhos nestes dez anos, os celulares entre 1998 e 2007 passaram de 7,4 milhões para 121 milhões, o número de pessoas com acesso à internet alcança hoje 41,6 milhões e o sistema está em expansão. A concorrência entre as empresas é contínua, o número de empregos aumentou, sua produtividade também, o Tesouro arrecada muito mais impostos do que jamais suas ações renderam e o preço dos serviços continua caindo. Sem falar na parcela crescente que os serviços de telecomunicações ocupam no PIB e, portanto, em seu aumento.

É preciso melhorar o atendimento aos consumidores, assim como os avanços tecnológicos requerem revisões no marco regulatório para permitir o uso convergente de novas tecnologias. Espero que isso seja feito com o fortalecimento da Anatel e no respeito aos princípios constitucionais referidos, mantendo-se a competitividade entre as empresas, para evitar o monopólio privado, danoso ao interesse público.

Fernando Henrique Cardoso, sociólogo, foi presidente da República

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