Início Notícias do PSDB “Os escravos de Jó, ou de Dirceu”, análise do ITV

“Os escravos de Jó, ou de Dirceu”, análise do ITV

Artigo do Instituto Teotônio Vilela

Ontem foi o dia do “não” no julgamento do mensalão no Supremo Tribunal Federal (STF). Um réu disse que não tinha tanto poder quanto lhe atribuem; outro afirmou que não sabia do que se passava no partido que presidia; o terceiro não sabia muito bem o que fazia com uma montanha de dinheiro vivo; e o bem-sucedido empresário não se importava de onde vinham os recursos que distribuía a políticos. Parece até cantiga de ninar.

A defesa dos mensaleiros insistiu na história de que não há provas materiais para que seus clientes sejam condenados. Evidentemente, não é trivial que um grupo que agia como “sofisticada organização criminosa” tenha deixado como prova rastros, e-mails, recibos assinados, conversas gravadas. Em situações assim, o que vale mais são provas testemunhais, como esclareceu o procurador-geral da República na sexta-feira.

A defesa mais risível é a de José Dirceu. Segundo o advogado dele, o ministro-chefe da Casa Civil do governo Lula deixara de lado o que se passava no PT: “José Dirceu tinha importância no PT, mas, na chefia da Casa Civil, deixou de participar da vida do partido”, disse José Luís de Oliveira Lima. Ele só não explica como e por que Dirceu recebia no Palácio do Planalto pessoas que lá iam para tratar tão somente de assuntos do PT – como Marcos Valério e os empresários que ele conduzia com desenvoltura ao quarto andar da sede do governo.

“Só no admirável mundo dos advogados seria possível dizer, com toda a teatralidade cabível, que Dirceu, como chefe da Casa Civil, não mandava nada no PT, não articulava nada, não interferia sequer nas nomeações para cargos públicos”, comenta Eliane Cantanhêde na Folha de S.Paulo.

Na sexta-feira, ao apresentar sua acusação no Supremo, o procurador Roberto Gurgel foi enfático quando se referiu à participação de Dirceu no maior escândalo de corrupção da história política brasileira: “Muitas situações se passavam entre quatro paredes. Não entre quatro paredes comuns, mas entre quatro paredes de um palácio presidencial”.

A denúncia do Ministério Público lista vários depoimentos apontando o envolvimento do ex-ministro no mensalão. Relata O Globo: “O ex-deputado Pedro Correa diz que Dirceu sabia das negociações do PP com o PT. Valdemar Costa Neto fala de reuniões na casa de Dirceu, e o próprio Roberto Jefferson insiste que Dirceu sabia de tudo. A ex-mulher de Marcos Valério, Renilda Fernandes, diz que, segundo Valério, Dirceu sabia dos empréstimos”.

Já a defesa de José Genoino disse que seu cliente “não tem qualquer aptidão para tratamento de finanças”. Por esta razão, o então presidente do PT não faria a menor ideia de como o partido torrava seus recursos e, menos ainda, que o dinheiro era usado para comprar apoio parlamentar e azeitar a articulação política no Congresso, da qual Genoino seria um “expert”.

Entretanto, na acusação apresentada ao STF, Gurgel disse que Genoino não apenas representava Dirceu na interlocução com os líderes da base parlamentar, como acertava os termos da transação. Procedia como “interlocutor político do grupo criminoso”. “Além de conversar com os líderes partidários, convidando-os a apoiar os projetos de interesse do governo, procedia ao ajuste da vantagem financeira que seria paga caso aceitassem a proposta”, sustentou o procurador-geral.

A defesa de Delúbio Soares foi a única a reconhecer a prática de ilícito por parte do réu: crime de caixa dois, cuja pena chega a no máximo cinco anos de detenção e já estaria prescrita. Mas qual seria o objetivo do ex-tesoureiro do PT, segundo seu defensor? “Realizar um sonho, de exercer um projeto de poder, de mudar o Brasil”. Fica claro que sua função era financiar a perpetuação do PT no comando do país.

“Da defesa dos três que formaram, segundo a denúncia do Ministério Público Federal, o ‘núcleo político’ do mensalão, têm-se a impressão de que o PT era um partido completamente acéfalo, que ninguém comandava e no qual todo mundo tinha uma atividade específica sem ligação com um objetivo final, nem político, muito menos criminoso”, resume Merval Pereira n’O Globo. Nunca se deve esquecer que o objetivo desta organização supostamente desconjuntada, declarado numa ocasião por Sílvio Pereira, era arrecadar R$ 1 bilhão…

Por fim, o advogado de Marcos Valério defendeu que os recursos que seu cliente fartamente distribuía não tinham origem pública. Portanto, nesta ótica, o publicitário não teria de responder por crime algum. Só não foi explicado como mais de R$ 73 milhões saíram do fundo Visanet, que tem o Banco do Brasil entre seus principais sócios, para as contas das agências de Valério e de lá para o bolso dos mensaleiros.

Os advogados dos mensaleiros tentaram contar ontem, do alto da tribuna no Supremo, um conto da carochinha. Se o que dizem é verdade, fica faltando explicação sobre como uma montanha de dinheiro público, recolhido aos cofres do Tesouro pelos contribuintes, foi surrupiada em tenebrosas transações para perenizar o PT no poder. Mas na peça acusatória há elementos de sobra para comprovar a atuação desta “sofisticada organização criminosa”.

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