Em um caso de polícia como o da Operação Porto Seguro, quem tem muito a revelar é a arraia-miúda, quem pôs a mão na massa, quem teceu no dia a dia as teias da corrupção no aparato estatal. “É a partir do que eles disserem que será possível, em sequência, chegar aos tubarões – que, certamente, existem e estão muito próximo dos mais estrelados gabinetes da República. Se a regra é a transparência, a hora, agora, é de ouvir os mequetrefes”, aponta a Carta de Formulação e Mobilização Política desta quarta-feira (28). Leia abaixo a íntegra do documento editado pelo Instituto Teotonio Vilela.
O Palácio do Planalto e sua base de apoio parlamentar impediram ontem que o Congresso convocasse os funcionários presos ou indiciados pela Operação Porto Seguro para falar. Mais uma vez, a gestão petista resiste a esclarecer como mais uma rede de corrupção se instalou no coração do poder. Se a regra é a transparência, eles têm muito a dizer; para quem quer melar o jogo, o melhor é escondê-los.
O governo sustenta que, neste momento, a atribuição de ouvir gente como Rosemary Nóvoa Noronha, os irmãos Paulo e Rubens Vieira e José Weber de Holanda, o braço direito do braço direito da presidente Dilma Rousseff na Advocacia-Geral da União (AGU), é da Polícia Federal, e não do Congresso. Com base nisso, os governistas propuseram a ida dos chefes deles ao Senado.
Mas, num caso de polícia, quem tem muito a revelar é a arraia-miúda, quem pôs a mão na massa, quem teceu no dia a dia as teias da corrupção no aparato estatal. É a partir do que eles disserem que será possível, em sequência, chegar aos tubarões – que, certamente, existem e estão muito próximo dos mais estrelados gabinetes da República. A hora, agora, é de ouvir os mequetrefes.
Rosemary Noronha, por exemplo, poderá contar como atuava como faz-tudo de Luiz Inácio Lula da Silva dentro e fora do Brasil. Como portava um superpassaporte que só as mais altas autoridades – não era, formalmente, o caso dela – deveriam ter e por que viajou a torto e a direito com o então presidente da República: foram 24 países entre 2007 e 2010, que, além de passeios, lhe rederam R$ 62,9 mil em diárias.
Poderá explicar como influenciou a indicação dos irmãos Vieira para a ANA e a Anac, de onde eles operavam uma vasta rede de venda de pareceres oficiais para atender interessados privados. A ex-chefe de gabinete do escritório da Presidência da República em São Paulo poderá abrir a boca e aliviar suas tensões, que tanto temor causam aos capas pretas petistas.
Quem também tem muito a contar é José Weber de Holanda, que até ontem era o segundo na hierarquia da AGU. Ele poderá falar sobre suas perigosas ligações com o ex-senador Gilberto Miranda, sua fixação por ilhas, seu empenho em liberar obras bilionárias em paraísos ambientais.
Atuando na AGU, Weber ajudou o polêmico político a manter a Ilha das Cabras, em Ilhabela (SP), cuja ocupação é objeto de contestação no Supremo Tribunal Federal. Informa O Globo que um parecer de Weber deu origem a pedido da AGU assinado pelo titular Luís Inácio Adams que corrobora as teses da defesa do ex-senador – que construiu ilegalmente na ilha uma área para pouso de helicópteros, uma praia artificial e um deque.
Não foi só. O empenho de Weber também ajudou Gilberto Miranda a destravar o projeto de um complexo portuário de R$ 2 bilhões na Ilha de Bagres, área de proteção permanente ao lado do porto de Santos, como mostra a Folha de S.Paulo. No Congresso, o advogado poderá explicar como conseguiu fazer com que o empreendimento fosse aprovado em tempo recorde por órgãos como Ibama, Secretaria de Portos e Secretaria de Patrimônio da União.
Para tanto, ele certamente poderá contar como auxílio de Mário Lima Júnior, mais novo nome da lista dos nem tão mequetrefes assim abarcados pela Operação Porto Seguro. Trata-se do secretário-executivo da Secretaria de Portos ou simplesmente o número 2 na hierarquia da pasta, ligada à Presidência da República. Segundo O Estado de S.Paulo, Lima “negociou com a quadrilha acusada de vender pareceres técnicos” a liberação do projeto da Ilha de Bagres.
Por fim, os parlamentares poderão ouvir de Paulo Vieira como operava com tanta desenvoltura e em tantos órgãos azeitando a concessão de benesses públicas para interesses privados. Ele também vai poder explicar como amealhou tanto poder no governo do PT mesmo sendo tão ruim de voto: em 2004, Vieira disputou, pelo partido, uma vaga na Câmara de Vereadores de um município paulista de 4 mil habitantes e só conseguiu 55 votos, como revela O Globo.
“Esquisita a preocupação do Planalto em interditar testemunhas. Se a ideia da presidente é mesmo apurar e punir, em tese seria a maior interessada em acabar com essa história de blindagem e se postar de ouvidos bem abertos no aguardo de revelações úteis. O incentivo ao silêncio de quaisquer pessoas que possam contribuir para o esclarecimento dos fatos subtrai confiabilidade dos propósitos saneadores do Palácio do Planalto”, analisa Dora Kramer.
Todas as pessoas que o governo da presidente Dilma Rousseff conseguiu ontem evitar que sejam ouvidas no Parlamento ocupam ou ocupavam até este fim de semana cargos públicos no governo petista. Para que estivessem lá, a regra número um é a transparência e a lisura no trato do patrimônio público. Sejam eles tubarões ou simples mequetrefes, falharam no cumprimento do dever e agora devem prestar contas à sociedade. Se o governo está contra isso, está contra o interesse público.
Fonte: ITV