O Governo do Estado deu início à internação involuntária para dependentes químicos em São Paulo. Em 10 de janeiro, foi firmada uma parceria entre o Executivo paulista, o Ministério Público, o Tribunal de Justiça e a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) para implantar o programa. Para entender melhor o que é a internação compulsória e qual objetivo da ação do Governo, a Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania preparou um guia com perguntas e respostas.
1) A internação compulsória está prevista em lei?
Sim. Quando a pessoa não quer se internar voluntariamente, pode-se recorrer às internações involuntária ou compulsória, definidas pela Lei Federal de Psiquiatria (Nº 10.216, de 2001).
§ Internação involuntária: de acordo com a lei (10.216/01), o familiar pode solicitar a internação involuntária, desde que o pedido seja feito por escrito e aceito pelo médico psiquiatra. A lei determina que, nesses casos, os responsáveis técnicos do estabelecimento de saúde têm prazo de 72 horas para informar ao Ministério Público da comarca sobre a internação e seus motivos. O objetivo é evitar a possibilidade de esse tipo de internação ser utilizado para a prática de cárcere privado.
§ Internação compulsória: neste caso não é necessária a autorização familiar. O artigo 9º da lei 10.216/01 estabelece a possibilidade da internação compulsória, sendo esta sempre determinada pelo juiz competente, depois de pedido formal, feito por um médico, atestando que a pessoa não tem domínio sobre a sua condição psicológica e física.
2) Se já está previsto por lei, qual é a novidade no que o Governo do Estado está fazendo?
O governo criou medidas para o cumprimento mais eficiente da lei. No dia 11 de janeiro de 2013, o Estado de São Paulo viabilizou uma parceria inédita no Brasil entre o Judiciário e o Executivo, entre médicos, juízes e advogados, com o objetivo de tornar a tramitação do processo de internação compulsória (já previsto em lei) mais célere, para proteger as vidas daqueles que mais precisam. As famílias com recursos econômicos já utilizam esse mecanismo (internação involuntária) para resgatar os seus parentes das drogas. O que o Estado está fazendo, em parceria com o Judiciário, é aplicar a lei para salvar pessoas que não têm recursos e perderam totalmente os laços familiares. Essas pessoas estão abandonadas, e é obrigação do Estado tirá-las do abandono. A presença do Judiciário vai aumentar as garantias aos direitos dos dependentes químicos.
3) Quem são os parceiros do Estado e qual será a participação deles?
Foram assinados três termos de cooperação técnica: um com Tribunal de Justiça de SP para a instalação de um anexo do tribunal no CRATOD, em regime de plantão (9h às 13h, de segunda a sexta-feira), com o objetivo de atender as medidas de urgência relacionadas aos dependentes químicos em hipóteses de internação compulsória ou involuntária, com a presença inclusive de integrantes da Defensoria Pública; outro termo com o Ministério Público, com o objetivo de permitir que promotores permaneçam acompanhando o plantão do Judiciário. E um terceiro, com a OAB, para que a entidade coloque, de forma gratuita e voluntária, profissionais para fazer o atendimento e os pedidos nos casos necessários.
4) O que vai mudar agora com a parceria entre Estado e Judiciário?
Verificou-se que, se a indicação médica for pela internação compulsória, em muitos casos a demora na emissão da ordem judicial impede a equipe médica de manter o paciente no local. O processo continuará a ser iniciado pelos agentes de saúde, da mesma maneira como ocorria antes. A diferença é que, agora, representantes do Judiciário farão plantão em um equipamento médico (CRATOD). Consequentemente, a determinação judicial será mais célere. Após receber o primeiro atendimento (quando o paciente é levado de maneira voluntária ao CRATOD por um assistente social), o dependente químico será avaliado por médicos que vão oferecer o tratamento adequado. Caso a pessoa não queira ser internada, o juiz poderá determinar a internação imediata (desde que os médicos considerem que a pessoa corra risco e atestem que ela não tem domínio sobre sua condição física e psicológica).
5) Antes desta parceria entre o Estado e o Judiciário, a prefeitura já realizava internações compulsórias na cidade de São Paulo?
Sim. Dados da Secretaria Municipal de Saúde demonstram que a internação compulsória já é praticada desde que a prefeitura começou, em 2009, a Operação Centro Legal. Das cerca de 2.800 internações realizadas em equipamentos exclusivamente municipais neste período (2009/2012), a prefeitura confirma mais de 300 casos de internação compulsória (cerca de 11% do total). O processo começava com a abordagem dos agentes de saúde. Se o dependente concordasse, ele era enviado a um equipamento – no caso do município, CATS ou Complexo Prates, no caso do Estado, CRATOD –,onde médicos e uma equipe multidisciplinar decidiam qual deveria ser o processo terapêutico adotado para aquela pessoa. Em casos específicos, sempre com laudo médico, optava-se pela internação compulsória para proteger a integridade física e mental do paciente.
6) A internação compulsória será a regra a partir de agora?
Não. Casos de internação compulsória continuarão a ser exceção e não regra. A política prioritária continua sendo a internação voluntária, através do convencimento do dependente por agentes de saúde, assistentes sociais da prefeitura e integrantes da Missão Belém (ver item 16), além de outras formas de tratamento.
7) A PM terá alguma participação no processo de internação compulsória de usuários de drogas?
Não. A PM não vai recolher pessoas nas ruas para tratamento. Durante esse processo serão seguidos todos os protocolos vigentes na área de saúde e na garantia dos direitos humanos e individuais dos usuários.
8) Em caso de resistência do dependente químico, qual será o protocolo?
Nesses casos específicos, vão atuar médicos e enfermeiros treinados para essas situações.
9) Médicos especialistas em dependência química são favoráveis à internação compulsória?
Sim. Veja o que dizem alguns dos maiores especialistas do Brasil sobre o assunto:
Para Arthur Guerra, psiquiatra, professor da Faculdade de Medicina (FM) e coordenador do Grupo Interdisciplinar de Estudos sobre Álcool e Drogas: “De forma geral, a internação involuntária é um procedimento médico realizada no mundo todo há muitos anos, que obedece a critérios superobjetivos. A visão médica não vai deixar esse paciente se matar. O médico, no mundo todo, não acha que é um direito do ser humano se matar, pois entende que esse paciente está doente e tem de ser internado. Depois daquele momento de fissura e excesso, quando estiver recuperado, o paciente vai dizer: ‘Obrigado, doutor’”. http://www.reporterdiario.com.br/Noticia/381210/internacao-involuntaria-para-dependentes-quimicos-divide-opinioes/
Ronaldo Laranjeira, professor titular do Departamento de Psiquiatria da UNIFESP, diretor do INPAD (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Políticas Públicas do Álcool e outras Drogas) do CNPq e coordenador da UNIAD (Unidade de Pesquisas em Álcool e Drogas): “Nos casos mais graves, a internação é a alternativa mais segura. O ideal seria que ninguém precisasse disso, mas a dependência química é uma doença que faz com que a pessoa perca o controle”. http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI255395-15257,00-INTERNAR+A+FORCA+RESOLVE.html
Drauzio Varella, médico oncologista, cientista e escritor. Foi voluntário na Casa de Detenção de São Paulo (Carandiru) por treze anos e hoje atende na Penitenciária Feminina da Capital: “A internação compulsória é um recurso extremo, e não podemos ser ingênuos e dizer que o cara fica internado três meses e vira um cidadão acima de qualquer suspeita. Muitos vão retornar ao crack. Mas, pelo menos, eles têm uma chance”. http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI255395-15257,00-INTERNAR+A+FORCA+RESOLVE.html
10) Qual a posição da população brasileira quanto à internação compulsória?
Pesquisa do Datafolha divulgada no dia 25 de janeiro de 2012 aponta que 90% dos brasileiros apoiam a internação involuntária de dependentes de crack. http://datafolha.folha.uol.com.br/po/ver_po.php?session=1175
11) O tratamento feito mediante internação involuntária ou compulsória funciona?
Sim. Segundo o National Institute on Drug Abuse (EUA), uma das instituições mais respeitadas do mundo nessa questão, funciona tanto quanto o tratamento feito quando o paciente se interna voluntariamente. Na publicação Principles of Drug Addiction Treatment: A Research-Based Guide (Princípios do Tratamento do Vício em Drogas: Um Guia Baseado em Pesquisa), o instituto apresenta quais são os princípios de um tratamento eficaz. O texto diz “o tratamento não precisa ser voluntária para ser eficaz. Sanções ou incentivos impostos pela família, ambiente de trabalho ou pelo sistema judicial podem aumentar significativamente a taxa de internação e de permanência – e finalmente o sucesso das intervenções de tratamento”.http://www.drugabuse.gov/publications/principles-drug-addiction-treatment-research-based-guide-third-edition/principles-effective-treatment
12) A internação compulsória para dependentes de drogas é utilizada em outros países?
Sim. Doze estados norte-americanos, dentre eles a Califórnia, possuem leis específicas sobre a internação compulsória ou involuntária. A Flórida, por exemplo, tem o Marchman Act, aprovado em 1993. O Canadá tem legislação que permite o tratamento forçado de viciados em heroína. O Heroin Treatment Act foi aprovado na província de British Columbia em 1978. A lei foi contestada na Justiça, mas foi mantida posteriormente pela Suprema Corte. A Austrália possui legislação que permite aos juízes condenar ao tratamento compulsório dependentes de drogas que cometeram crimes. A Nova Zelândia também tem legislação que permite à Justiça ou à família internar um dependente compulsoriamente. A Suécia possui o Act on the Forced Treatment of Abusers, que permite a internação compulsória de dependentes que representem risco para si próprios ou para terceiros; a lei é utilizada principalmente para menores de idade.
13) A Organização Mundial de Saúde reconhece a internação compulsória como opção de tratamento?
Sim. No documento “Principles of Drug Dependence Treatment”, de 2008, a OMS considera que o tratamento de dependência de drogas, como qualquer procedimento médico, não deve ser forçado. Admite, porém, que “em situações de crise de alto risco para a pessoa ou outros, o tratamento compulsório deve ser determinado sob condições específicas e período especificado por lei”. http://www.unodc.org/documents/drug-treatment/UNODC-WHO-Principles-of-Drug-Dependence-Treatment-March08.pdf
14) O governo do Estado está ampliando a oferta de leitos públicos para internação, seja voluntária ou compulsória?
Sim. Atualmente a Secretaria de Estadual de Saúde mantém 691 leitos públicos para dependentes químicos, dos quais 209 foram implantados na atual gestão (aumento de 43%). Outros 488 novos leitos estão em processo de implantação e devem estar disponíveis até o final de 2014, quando o Estado contará com 1.179 leitos. O Governo de São Paulo foi o primeiro do Brasil a criar clínicas com leitos públicos para internação de dependentes, processo que começou em 2010. Todos estes leitos são financiados com recursos exclusivos do governo do Estado, sem a participação do governo federal.
15) O Governo do Estado tem ampliado a oferta de abordagem social?
Desde o dia 3 de dezembro de 2012, o trabalho de abordagem social para auxiliar os dependentes a largar as drogas está sendo realizado com o apoio de 56 agentes da Associação Missão Belém. Os agentes são pessoas que já estiveram em situação de rua e dependência química e foram reinseridos socialmente pelo trabalho da própria Missão. Até o momento mais de 400 dependentes foram retirados do centro e levados para as casas de triagem da Missão. Diariamente, de 10 a 15 pessoas têm concordado em ir para as casas de triagem. Depois de passar pelas casas de triagem e por tratamento de saúde, os usuários podem ser recebidos em moradias assistidas, onde se iniciará a reinserção social. Nesta etapa, o processo conta com atividades de educação, trabalho, lazer, esporte e cultura, além de incentivo para o retorno ao convívio familiar.
Do Portal do Governo do Estado e da Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania
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