Por José Serra
O governo federal pagou cerca de R$ 300 bilhões a 70 milhões de pessoas, no ano passado, na forma de auxílio emergencial, que simplesmente deixou de existir com a virada do ano. As dificuldades financeiras, infelizmente, continuam tirando o sono de milhares de famílias em nosso país. Conhecendo a situação em que vivem milhões de brasileiros, creio que não nos podemos contentar com auxílio simplesmente emergencial. A parcela de nossos concidadãos destituída de recursos para sobreviver precisa de apoio permanente, o que exige um novo regime social.
O Executivo não se mostra interessado em aprovar o Orçamento e já articula com o Congresso um auxílio emergencial em troca de pequenas medidas de ajuste fiscal. É um erro. Deve-se aprovar o Orçamento, condicionando eventual auxílio emergencial à adoção de uma nova ordem social no País. Basta ouvir a voz dos que sofrem para chegar a essa conclusão.
Mesmo tardiamente, as lideranças políticas no País devem começar a refletir sobre a enorme tristeza que passa pela alma de quem não tem dinheiro para alimentar adequadamente a sua família. Difícil imaginar quão sufocante e angustiante deve ser para as famílias, especialmente para as mães, saber que seus filhos não terão condições de estudar e sonhar com um futuro melhor. Sabemos que a educação é o único instrumento que pode romper o ciclo da pobreza de várias gerações.
A pandemia piorou ainda mais essa situação. Com o vírus à solta, as pessoas perderam renda e empregos. As crianças ficaram fora da escola. Muitas não têm para onde ir e ficam nas ruas.
Nesse contexto, o que se discute em Brasília? A concessão de uma nova rodada de socorro emergencial de, no máximo, seis meses. O benefício, por ser temporário e sem nenhuma vinculação com outras políticas públicas, devolverá as pessoas à situação de pobreza. Todos conhecemos isso e os beneficiários, mais que todos. O auxílio não é mais que um paliativo de curtíssimo prazo. Não oferece perspectiva alguma de mudança em médio e longo prazos, leva essas famílias a viverem em constante estado de tensão, percebendo que as autoridades propõem apenas uma migalha, sem dúvida necessária, mas temporária.
Um novo regime social, com novas políticas públicas permanentes, que possam assegurar às famílias carentes do nosso país maior tranquilidade, e alguma perspectiva de melhoria das condições de vida, é disso que precisamos. E pode ser feito com responsabilidade fiscal.
O governo não pode sair gastando sem planejamento, sem responsabilidade. O orçamento público não é um saco de dinheiro sem fundo. Banco cobra mais caro para emprestar ao cliente desorganizado com as próprias contas. Na administração pública, quem empresta dinheiro para financiar políticas governamentais também cobra mais caro se perceber farra e descontrole nas despesas. E isso torna o endividamento mais caro, reduz a capacidade do Estado para ajudar e afeta o conjunto da sociedade, sobretudo os mais vulneráveis.
Um novo regime social é o caminho que devemos seguir, ancorado em renda básica, auxílio-creche e poupança pública para as famílias de baixa renda. Essa agenda social pode se tornar viável, repito, com responsabilidade fiscal se outros gastos do Orçamento forem revisados seriamente. Apostar no auxílio emergencial? Sim, mas apenas para ganhar o tempo necessário para o Congresso aprovar uma nova ordem social no Orçamento federal. Lembro que as propostas aqui listadas, e outras de natureza análoga, já se encontram em tramitação no Congresso, basta acelerarmos sua aprovação.
Penso também que esse novo arranjo social deve ser coordenado com novas políticas públicas educacionais. Uma boa iniciava seria obrigar a União a manter uma poupança para crianças nascidas em famílias de baixa renda, segundo critérios e parâmetros predefinidos. Aportes extras nessas contas poderiam ser feitos por familiares ou pessoas que queiram ajudar financeiramente essas crianças. E aqui vem o mais importante: os recursos acumulados na conta somente poderiam ser sacados quando o titular da conta concluir o ensino médio. Certamente os jovens seriam estimulados a concluir seus estudos.
Nunca é demais repetir que a responsabilidade fiscal deve caminhar de mãos dadas com esse novo regime social. O programa que menciono, baseado em poupança pública, poderia ser financiado com recursos da exploração do petróleo e do gás natural. Não faltam medidas para potencializar a arrecadação dos royalties pagos pelas empresas que exploram o setor no País. De mais a mais, essa nova agenda social poderia ser bancada com economias de despesas correntes provenientes de revisão de gastos não prioritários do Orçamento fiscal da União. Basta instituir no País um bom sistema de avaliações do gasto que obrigue a remanejar recursos de programas governamentais pouco efetivos.
Concluindo: o auxílio emergencial é uma gota no oceano de desigualdade social que a pandemia deixará como legado. O Brasil precisa de um novo regime social, permanente e fiscalmente sustentável.