Início Artigos Militares: nem mudos, nem de governo

Militares: nem mudos, nem de governo

Por Bruna Furlan

A relação entre a República e os militares é debatida em prosa e verso, repleta de contornos. Na França, o Grande Exército (“la Grande Armée”), como era conhecido na época de Napoleão Bonaparte, passou a ser chamado de o Grande Mudo (“la Grande Muette”) quando, ainda no século 19, os republicanos começaram a impor limitações às Forças Armadas a fim de que estivessem subordinadas ao poder civil. Foram proibidas de fazer greve, associar-se e até votar. O voto foi readquirido pelos militares franceses somente no final da Segunda Guerra Mundial.

Na República brasileira houve, de certo modo, a transferência do Poder Moderador de Dom Pedro 2º para as Forças Armadas, colocando-as como destinadas à manutenção das leis no interior ou obrigadas a sustentar as instituições constitucionais, nos termos da Constituição de 1891. Ou, em outro sentido, caberia aos militares a tutela do país. Não à toa os dois primeiros presidentes foram marechais.

Fica claro nos debates da Assembleia Nacional Constituinte, com intervenções de constituintes como Bernardo Cabral e Fernando Henrique Cardoso, que o atual artigo 142 da Constituição Federal de 1988 deu outra moldura. As Forças são subordinadas ao poder civil. Não podem os militares serem filiados a partidos políticos, sindicalizarem-se e fazerem greve, mas podem votar. E não são mudos. Podem e devem falar a respeito da garantia de suas atribuições, seguir a hierarquia e a disciplina nos limites constitucionais.

As Forças Armadas fazem parte do Estado e não de governos. A única vez em que a palavra pátria aparece na Constituição é para apontar que a Marinha, o Exército e a Aeronáutica destinam-se à sua defesa (artigo 142). Quão elevada atribuição estatal está jogada nessas instituições, as únicas constitucionalmente vinculadas à pátria! Quanta sabedoria e discrição é preciso para conceber, junto aos demais setores públicos e privados, a estratégia de nossa defesa diante da conjuntura e do futuro?

Nesse sentido, às Forças cabe igualmente implementar os princípios constitucionais que regem nossas relações internacionais, colocando a independência nacional ao lado da prevalência dos direitos humanos, da defesa da paz e da cooperação entre os povos para o progresso da humanidade, dentre outros.

Poderiam as Forças serem compostas de mercenários, corpos de milícia, Guarda Nacional, paramilitares. Mas não. Temos a concepção do soldado cívico. Essa figura possui o conteúdo de um todo. Não é o cavaleiro inexistente de Italo Calvino, que ostentava a impecável armadura, mas não havia nada dentro.

Artigo anteriorDoria assina manifesto conjunto pela Democracia
Próximo artigoA hora se aproxima