Apesar de a Copa do Mundo ter saído da pauta de nossa mídia, o desastre da Alemanha ainda povoa meus pensamentos. De volta à atividade de analista econômico, ainda faço associações constantes entre economia e futebol. Na economia, estamos vivendo o equivalente à euforia da vitória na Copa das Confederações, em 2005.
O sucesso da seleção criou uma esperança entre os brasileiros e mascarou problemas que já existiam no time e que apareceram na Copa. E muitos no mercado financeiro fazem agora o papel de parte da mídia esportiva no caso da seleção.
Os bons resultados da economia, principalmente na questão da solvência externa e inflação, mascaram problemas estruturais que todo analista responsável precisa entender. O objetivo maior da política econômica de um país é o de promover um crescimento forte e sustentável da atividade econômica. É por meio do crescimento que a sociedade se desenvolve, melhorando de forma sadia as condições de vida de seus cidadãos. O crescimento do emprego e dos salários de forma sustentável é a medida mais importante do sucesso de um país ainda pobre, como é o caso do Brasil. E hoje não estamos crescendo na velocidade necessária.
Portanto, se quisermos avaliar as condições de uma economia de mercado em função de um só indicador, eu escolheria o mercado de trabalho. O crescimento do emprego e da renda me parece ser a medida básica da eficiência de longo prazo de uma política econômica. Um mercado de trabalho em crescimento, tanto em relação ao aumento de emprego como ao da renda real, mostra que a política econômica cumpre seus objetivos maiores.
Por isso dedico hoje parte importante de meu tempo tentando entender como está o mercado de trabalho no Brasil. Ao fazer isso, deparei-me com números que assustam um pouco. Pena que nesse campo nossas estatísticas ainda sejam pobres, principalmente as que mostram o que acontece com os salários e a renda dos brasileiros. As informações mais abrangentes são defasadas, e as pesquisas do IBGE que acompanham mensalmente o mercado de trabalho são limitadas. Por isso baseei o estudo que estamos fazendo na Quest nos números de cinco regiões metropolitanas e que são acompanhados por institutos de credibilidade, como o Seade e a Fundação João Pinheiro, entre outras.
Outra fonte de nossas pesquisas são o Caged e a Rais, ambos do Ministério do Trabalho, que contabilizam o movimento de contratações e demissões no mercado formal. Alguns dos números já emergiram desse nosso trabalho. Em fins de 2005, tínhamos um total estimado de 25,5 milhões de trabalhadores com carteira assinada. Mais da metade, 50,4%, ganhava menos do que dois salários mínimos por mês. Em fins de 2002, esse grupo representava 43% do total. Em três anos, os que ganham menos aumentaram em mais de 7% sua participação no total de empregados. Já os que ganhavam mais do que cinco salários mínimos, e que no Brasil representam uma elite pobre, caíram de 17,3% do total para 13,9%, uma queda de 20% em apenas três anos.
O quadro é o mesmo se voltarmos nossos olhos para a segunda metade da década de 90 no século passado. Em 1998, os trabalhadores que ganhavam mais de cinco salários mínimos representavam mais de um quarto do total; hoje, são menos que um sétimo. Nem mesmo as promessas de um governo de antigos sindicalistas mudaram esse quadro de pauperização do trabalhador.
Os números de 2006 devem ser piores por conta do aumento expressivo do salário mínimo a partir de abril, não acompanhado por crescimento de renda dos extratos assalariados médios. Como, ainda segundo os institutos, a renda nas cinco regiões metropolitanas mais importantes está praticamente estável em termos reais, um mínimo 17% maior vai piorar os números do Caged. Quando medimos, com base em dados de abril último, a renda real média do trabalho representava apenas três vezes o novo mínimo.
Em abril de 2002, a relação era de mais de quatro vezes. Diriam os mais afoitos: estamos elevando o mínimo. Ora, o mínimo é fixado pela caneta do presidente, enquanto os outros são definidos pelas condições de oferta e procura no mercado, que não parecem muito positivas. A renda real média do trabalho, ponderada pelo número de trabalhadores por faixa de renda, está abaixo do nível de 2001.
Luiz Carlos Mendonça de Barros é engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC)
Assessoria