Da Folha de S. Paulo – 18/12/2022
Último de uma dinastia de tucanos à frente de São Paulo em três décadas, Rodrigo Garcia pretende tirar um período de férias após anos como deputado, secretário de estado, vice-governador e, finalmente, governador.
Desde abril à frente do Palácio dos Bandeirantes, após João Doria (PSDB) renunciar, Rodrigo diz que deixa um estado com dinheiro em caixa para seu sucessor, Tarcísio de Freitas (Republicanos), a quem apoiou no segundo turno contra Fernando Haddad (PT).
Rodrigo afirma que acabou engolido pela polarização na campanha e seguiu seu histórico ao se posicionar contra o PT. Apesar de até agora o governador eleito ter deixado o PSDB fora do futuro governo, Rodrigo nega qualquer frustração e diz que cabe a Tarcísio decidir se quer os tucanos na sua base aliada.
Ele afirma, inclusive, que faria tudo de novo —apoiar Jair Bolsonaro (PL) contra Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a quem dirige as críticas mais pesadas. Para Rodrigo, o presidente eleito começou muito mal ao promover “gastança desenfreada”.
O atual governador destaca que deixa R$ 30 bilhões em caixa e o menor endividamento da história. Questionado sobre problemas que a administração não conseguiu resolver, como grandes obras de infraestrutura e a cracolândia, ele sustenta que a situação melhorou.
Governador Rodrigo Garcia (PSDB) no Palácio dos Bandeirantes; desde abril como chefe do Executivo estadual, ele deixa o cargo para o sucessor, Tarcísio de Freitas (Republicanos), a quem apoiou no segundo turno
Se o sr. fosse definir um legado dos quatro anos de gestão, o que indicaria?
Vou deixar um estado onde as coisas funcionam, com serviços aprovados pela população e dinheiro em caixa. Temos inúmeros exemplos disso. Na área de infraestrutura, quase 40 km de metrô em obras. No interior, mais de 11.500 km de estradas estão sendo feitas. Na área ambiental, a despoluição do rio Pinheiros. Na área da saúde, temos vários hospitais abertos, ampliação da rede existente, ampliação da capacidade de atendimento. Saio de cabeça erguida e com a tranquilidade do dever cumprido.
Qual a grande obra que continua parada?
Rodoanel, que vamos para o terceiro leilão no começo do ano que vem. Quando você encontra uma obra grande parada, o problema dela não é a engenharia, nem muitas vezes os recursos, o problema é a complexidade contratual. Como secretário de Governo nesta sala, enfrentei um a um esses desafios. Algumas dessas obras ficarão para Tarcísio inaugurar. A expectativa é que ele entregue 35 estações [de trem]. Estou fazendo uma transição não só republicana e transparente, mas colaborativa. Além dessa colaboração, um orçamento onde as vontades e políticas públicas de governo cabem. Então, vejo como natural e fico feliz que São Paulo vá usufruir de muitas coisas iniciadas nesta gestão e entregues na próxima.
O sr. declarou apoio a Tarcísio e Jair Bolsonaro. Há alguma frustração por não haver ninguém do PSDB na transição e nas secretarias estaduais?
Quando declarei o apoio incondicional era sem nada em troca, sem pedir nenhuma contrapartida. Não existe nenhuma frustração da minha parte. Essa é uma decisão do governo eleito, de convidar o PSDB para fazer parte da base. É um convite que não tem de ser dirigido a mim já como ex-governador, mas ao partido e à bancada de deputados. Eu não mediarei esse assunto com o novo governo. Então, nenhuma frustração.
Pela imagem de político mais moderado e pelos atritos que a gestão teve com o governo federal, seu apoio ao Bolsonaro é coerente?
Eu sou contra o voto nulo e branco. Por isso, no segundo turno, escolhi. Entre Lula e Bolsonaro, fiquei com Bolsonaro. Isso tem coerência com a minha história, eu tenho uma vida contra o PT aqui em São Paulo e continuarei fazendo oposição ao PT porque não acredito nessa forma de governar. Isso não me transforma em alguém que assina embaixo do governo Bolsonaro. Temos divergências com Bolsonaro que ficaram evidentes ao longo do tempo e elas não deixam de existir. Acho que ele acertou muito na área econômica, errou em muitas de suas posturas verbais. Entre ele e Lula, fiquei com ele e ficaria de novo.
Em que pontos o sr. acha que Bolsonaro acertou na economia?
Previdência, marco regulatório do saneamento, autonomia do Banco Central. São avanços econômicos que temos que creditar a esse período de mandato. Bolsonaro não quis mexer em leis de estatais. Esse tipo de coisa me faz ficar mais com esse governo do que com Lula.
Qual a expectativa do sr. em relação ao governo Lula pelos sinais dados até aqui?
Para mim, começou muito mal, numa gastança fiscal desenfreada, não entendendo que a conta virá muito rápido nos próximos meses. E ampliando e inchando a máquina pública, o que sempre fui contra. Mas vamos aguardar a instalação do governo. Se sou deputado ou estou no Senado, voto contra a PEC da Gastança. Aponto claramente que o governo talvez precise de dinheiro para a manutenção do Bolsa Família, isso ninguém contesta, mas é um ano de prazo e pedir uma nova regra fiscal para o Brasil. Estão dando um cheque em branco maior do que o governo precisa.
O sr. sabe como o PSDB vai reagir?
Gostei da postura do [José] Serra, da postura do Tasso [Jereissati] apontando erros na proposta da PEC. Na Câmara, ainda não ouvi nenhum pronunciamento, mas espero que o PSDB faça oposição responsável ao governo do PT.
E em São Paulo, o que se pode esperar da atuação do PSDB?
Vai depender de o governo eleito querer ou não o PSDB na sua base.
Como o sr. vê o futuro do partido fora do poder depois de tantos anos?
O PSDB tem um passado glorioso, de referência, que tem que servir para um reposicionamento no futuro –sejam as conquistas do governo Fernando Henrique, as conquistas de São Paulo e de outros estados ou as de grandes cidades em que mostrou boa gestão. Isso tudo faz parte de uma história bem-sucedida que o partido precisa contar para as pessoas, mas não é suficiente para o futuro. Desejo sorte e espero que Eduardo Leite, que vai presidir o partido, possa conduzir essa transição para a nova geração e reposicionar o partido.
Faria algo diferente do que fez na campanha?
Faria tudo de novo. Nessa eleição, não se analisou a gestão. Foi uma eleição de time, ou Lula ou Bolsonaro. Não se discutiu as questões reais de São Paulo, e foi assim no Brasil inteiro. Como candidato, era abordado sobre meu posicionamento de pauta de costumes, não sobre o que iria fazer para a segurança pública, saúde ou mobilidade. Acreditei numa eleição que queria discutir São Paulo, e a sociedade discutiu outra coisa, por isso não venci. O resultado de eu não ter ido ao segundo turno foi não ter um candidato a presidente forte. Declarei voto a Simone Tebet (MDB), mas no segundo turno fui espremido pela polarização.
O bolsonarismo pode forçar a centro-direita a abraçar mais a pauta de costumes?
A pauta de costumes estará, sim, sempre na agenda da direita, mas acredito que o que vai prevalecer nos próximos anos será a discussão econômica, porque teremos um desafio muito grande que foi adiado, já que na pandemia tivemos um adicional de recursos. O Brasil e o mundo viveram isso, há demanda inflacionária gerada por esse volume a mais de dinheiro. O que deve pautar as próximas eleições volta a ser a realidade: economia, expectativa de emprego, expectativa de renda, se vou conseguir melhorar minha vida ou não.
A vacina contra a Covid, que ajudou a imunizar o Brasil, foi pouco explorada na campanha. Por quê?
A Covid praticamente não foi pauta dessa eleição, foi pauta da eleição de 2020, quando estávamos no meio da onda e não tínhamos vacina. As pessoas querem esquecer aquele momento difícil, todo mundo quer apagar um pouco da memória. Temos vacina, mas e o futuro? Nem vacina e nem as questões reais de São Paulo foram tema de eleição.
O que pretende fazer da sua carreira política agora?
Depois de 24 anos, deixo de ter mandato popular, saio de cabeça erguida, com a sensação de ter colaborado muito com o meu estado. Está cedo para pensar no futuro. Vou me dedicar à família e a questões pessoais e depois vou olhar para o futuro com calma.
Fica no PSDB ou vai para a União Brasil?
Não tenho nenhum motivo para sair do PSDB, é especulação.
Como o sr. vê o quadro em São Paulo para a eleição municipal de 2024? Pode sair candidato a prefeito, vai apoiar Ricardo Nunes?
Vejo como natural o apoio do PSDB ao prefeito Ricardo Nunes, vejo a candidatura dele colocada e vejo a candidatura de oposição do Guilherme Boulos.
Voltando a problemas de São Paulo, em relação à cracolândia, as ações do estado que espalharam usuários de drogas coincidem com o fechamento de comércios e episódios de violência. Qual sua avaliação?
Isso é uma reação de um esforço do estado e da prefeitura em diminuir o fluxo da cracolândia, em procurar prender traficantes e dar tratamento a dependentes. Se olharmos o resultado positivo, hoje há menos dependentes químicos na região do que havia anos atrás. É só olhar para as fotografias e contagens de 2015 e 2016 e para as de hoje. Como consequência, a violência aumentou. O caminho é insistir no tratamento e nas prisões de traficantes para que em algum momento isso seja resolvido. Não terá solução simples.
Em viagem a São Paulo, o presidente eleito Lula disse que nunca tinha visto o que viu na rua. Como responde à crítica?
É só pegar uma fotografia da cracolândia de quando Haddad era prefeito e mostrar para Lula, para ele ver que está melhor.
E o aumento de moradores de rua?
A pandemia aumentou a pobreza, o número de moradores de rua, mas aumentamos os programas sociais, bolsa trabalho, auxílio-moradia. É preciso ter um mutirão em relação a alternativas de emprego para moradores de rua.
Em relação ao futuro governo, como encara o plano de Tarcísio de privatizar a Sabesp?
Não se trata de querer vender ou mantê-la estatal, se trata de olhar o resultado. Eu venderia a Sabesp se tivesse comprovado que o consumidor ganharia com isso, antecipando a universalização do saneamento ou reduzindo a tarifa, essa seria minha lógica. Tarcísio disse isso na campanha também, e agora provavelmente vai estabelecer estudos para tomar sua decisão.
RAIO-X | RODRIGO GARCIA, 48
É governador de São Paulo. Filiado ao PSDB (Partido da Social-Democracia Brasileira), foi vice-governador e secretário de Governo de João Doria (PSDB) até assumir o cargo de chefe do Executivo estadual em abril de 2022. Subsecretário de Agricultura aos 21 anos, na gestão de Mário Covas, já assumiu as secretarias de Habitação, de Desenvolvimento Econômico e de Desenvolvimento Social. Foi deputado estadual de São Paulo, presidente da Alesp (Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo) e deputado federal.