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Feliz 2012

Fernando Henrique Cardoso
Natal e ano-novo são momentos que convidam à calma, às retrospectivas e aos devaneios sobre o futuro. Não será diferente nesta passagem de 2011 para 2012. Os pregadores de todas as religiões, os arautos das boas novas, desde os políticos até os adivinhadores do futuro, vão insistir no “amai-vos uns aos outros”, síntese do que de mais generoso já foi proposto para a humanidade.
Outro dia, num casamento, ouvi o celebrante pregar com emoção o amor entre os noivos e as juras de fidelidade eterna. Pensei em silêncio: diante da vida, ele crerá nisso? Acho que sim, e eu também. Cumpra-se ou não à risca o que está ditado como a boa norma, ela não deixa de ser o ponto de referência sem o qual a sociabilidade não tem no que se apoiar e a relação entre as pessoas se dá com tal estranhamento que torna o homem inimigo do homem. Pode até ser assim, mas como anomalia, rejeitada pela “boa sociedade”.
Essa construção mental – a boa sociedade -, inspirada pela vontade e guiada por valores, pode ser “utópica”, mas é condição para uma convivência civilizada. É por isso que, sem cinismo, proclamamos os votos de bom ano-novo. Razões para pessimismo há, de sobra. Mas por que não acreditar que as coisas possam melhorar?
Assistimos em 2011 aos Estados Unidos naufragarem na crise financeira e no desemprego. Mas há alvíssaras. Com todo o impasse no Congresso, com os caricatos candidatos do Partido Republicano se digladiando na ignorância, pouco a pouco parece que encontraram um candidato menos ridículo, ainda que “direitoso”, Newt Gingrich. Barack Obama, por seu lado, mais retórico do que eficaz, equilibrou-se entre propostas generosas e dificuldades políticas para elas serem aceitas. Cedeu, mas não capitulou. Deixou que o Federal Reserve (Fed) inundasse os mercados de dólares, não tocou nos banqueiros, viu seu prestígio ir ladeira abaixo pela dificuldade de barrar o desemprego crescente, mas parece que capeou o temporal. Torçamos para que as coisas se ajeitem e o ônus da tragédia dos “mercados irracionalmente exuberantes” não recaia apenas no povo mais pobre.
A Europa, meu Deus, quase se desmilinguiu. O maior avanço civilizatório posterior à hecatombe da 2.ª Grande Guerra, a Europa dos 17 ou dos 27, esteve à beira de se desfazer, e ainda é possível que surja algum problema pela frente. O euro, símbolo da vontade de unidade europeia, foi duramente golpeado. Os construtores da União Europeia e do Banco Central Europeu acreditaram que um tratado prévio, assinado na cidade de Maastricht em 2002, fosse capaz de ordenar os orçamentos de Estados soberanos. Lá estava estipulado que país algum poderia endividar-se acima de 3% do produto nacional. Pobre engano: Alemanha e França, hoje heraldos da ortodoxia, foram os primeiros países a desobedecer. Como a União Europeia se construiu a partir do princípio de solidariedade, os países ricos transferiram recursos para os mais pobres. Portugal, Espanha, Grécia, Irlanda abriram estradas, “modernizaram-se”. Entretanto, nem todos criaram novas fontes produtivas.
Agora, com os apertos financeiros, os banqueiros e os governos europeus, que anteriormente encheram esses países de dinheiro, gritam: esses povos “do Sul”, esses “mediterrâneos”, são irresponsáveis, gastam o que não têm e não querem pagar o que lhes emprestamos. Dureza neles, nada de perdão de dívidas, que levaria à “frouxidão moral”. Com isso talvez salvem o euro, mas dificilmente darão saída para o empobrecimento e o desemprego, que necessitam de mais investimentos para ceder. Torçamos para que em 2012 a Europa saia dessa enrascada.
A China, por seu turno, grande vitoriosa do último quartel, tornou-se possuidora das maiores reservas de dinheiro do mundo. Investe sem parar e, ao contrário dos europeus e dos americanos, tem o problema de frear lentamente o crescimento baseado em exportações e fazer os chineses consumirem mais e pouparem menos. Belo desafio! Ficam registrados minha torcida e meus votos para que a nova geração que se prepara para assumir o poder continue na linha pragmática da anterior e entenda que o “amai-vos uns aos outros” (que pode ser expresso em linguagem ideográfica e confuciana) implica ampliar o bem-estar dos chineses, mas também colaborar para entendimentos que assegurem a paz entre os povos e o alento em suas economias.
Para o Oriente Médio e outros focos mais ardentes do planeta fica a esperança de que a “revolução da primavera” não se perca em novos autoritarismos e fundamentalismos e dela resulte o aumento da pressão para que prevaleçam dois Estados independentes e pacíficos na Palestina e em Israel. Ou pelo menos que o terror atômico não ensandeça a cabeça de algum exaltado líder iraniano ou israelense, comprometendo em definitivo a paz no Oriente Médio. Por outro lado, espero que o delírio do “regime change”, que leva a guerras derrotadas de antemão, não embale outra vez as ambições de líderes ocidentais na região.
E aqui, na Pátria amada? Por enquanto vamos escapando da derrocada da crise financeira. Mas atenção: o que foi postergado, as reformas (as que vão da porta da fábrica para fora – a tributária, as de flexibilização do mercado trabalhista, as parcerias para acelerar as obras de infraestrutura, etc., sem esquecer a sempre lembrada e pouco entendida “revolução educacional”), está se tornando incontornável, se quisermos realmente competir com os polos mundiais de crescimento.
Como poderemos enfrentar tamanho desafio com o arranjo político vigente, baseado em pluralidade de legendas e escassez de partidos e no butim do Estado para permitir o que se está chamando de “governabilidade” num sistema de coalizões entre grupos de interesse? Tenha coragem, senhora presidente, e trate de se livrar do entulho herdado, uma teia de corrupções, clientelismos e conivências. Ou melhor, tenha habilidade e competência política para jogar fora de sua “base” a ganga que parece indispensável, mas pesa menos quando se defronta com uma vontade nacional alimentada com a energia de quem propõe uma agenda nova. É preciso grandeza para dar rumo ao País. São meus votos.
Assim como são meus os votos para as oposições oferecerem porto seguro, de paz e de prosperidade, aos que desejam novos caminhos para o País. Eles serão em número crescente na medida em que a inércia governamental prevaleça. A alternância no poder não é apenas uma condição formal da democracia, mas uma necessidade para que as sociedades não se tornem apáticas com a repetição de práticas. Coragem, unidade e competência, são meus desejos para as oposições.
Feliz ano-novo.
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