José Aníbal
A declaração do ministro da Fazenda, Guido Mantega, de que os brasileiros terão o mesmo padrão de vida dos cidadãos europeus nos próximos 10 ou 20 anos, me fez lembrar da Graúna, personagem do saudoso e genial cartunista Henfil.
Refiro-me especificamente a um cartum em que a Graúna apontava, com a sua acidez habitual, que a solução para os problemas do Nordeste brasileiro, naqueles longínquos anos de chumbo, estaria na propaganda.
Enquanto economista, professor e ministro de Estado, Guido Mantega deveria ser menos dado a este tipo de bravata. ‘Padrão de vida’ vai muito além da interpretação oficiosa dos dados oficiais.
Padrão de vida diz respeito ao grau de desenvolvimento humano de uma sociedade; à consistência das liberdades individuais, dos valores coletivos e da formação educacional; à solidez da democracia, ao respeito aos direitos humanos e à ética e transparência públicas.
É uma falácia falar em padrão de vida europeu num país em que 40 mil cidadãos são assassinados anualmente, e onde um milhão de crianças continuam reféns do trabalho infantil. Nossos índices educacionais estarão equiparados aos europeus em 20 anos? Pelo desempenho atual, claro que não.
O desrespeito aos idosos, a má qualidade dos serviços de saúde, a falta de infraestrutura urbana, a lentidão da justiça – tudo isso faz com que o ufanismo do ministro não encontre respaldo nas ações do governo federal ou na expectativa real das famílias brasileiras.
Enquanto reinar a ideia de que o serviço público é necessariamente ruim, de que o que é público não tem jeito e nem tem dono, não haverá transformação consistente no padrão de vida dos brasileiros.
A excelência dos serviços públicos europeus foi o que alavancou, ao lado do crescimento econômico, o nível de desenvolvimento humano por lá. Trabalho perseguido com afinco no pós-guerra, a busca por avanços institucionais tangíveis resultou no que o ministro chamou de ‘padrão de vida’ europeu. Não foi a propaganda.
Sem cuidar do fundamental, que é o desenvolvimento das pessoas, o governo do PT parece seguir os passos dos governos militares, quando a megalomania e a ânsia propagandística ditavam o ritmo do ufanismo oficial. Deu no que deu.
Faltam programas de reciclagem para professores, mas o governo acha que a solução é comprar tablets para os alunos. Os aeroportos estão em frangalhos, mas o governo insiste num trem-bala de custo exorbitante. Enquanto a transposição do São Francisco não sai do lugar,rompe-se a parceria com a organização que implantou 370 mil cisternas no semiárido nordestino, acertando um golpe certeiro na indústria da seca. E por aí vai.
As reformas adormecem no Congresso como se a Previdência não tivesse data para travar. A Reforma Política avança a passos de cágado, afinal, pela lógica petista, em partido que está ganhando não se mexe. E a Reforma Tributária, como uma recessão a bater à porta e uma acelerada desindustrialização, parece só atormentar ao setor produtivo, pois o governo arrecada sempre mais.
A hierarquia das prioridades está errada. O papel do poder público é liderar. Se o próprio governo não dá o exemplo nem toma a dianteira no processo, não será por mágica ou por propaganda que o padrão de vida, em seu sentido mais amplo e concreto, atingirá o nível desejado e merecido pelos brasileiros. A Graúna do Henfil sabia-se irônica. Mantega parece realmente acreditar que são os slogans que constroem uma nação.
José Aníbal é economista, deputado federal e secretário de Energia de São Paulo