Senhor presidente, colegas parlamentares, senhoras e senhores. Quero, nesta oportunidade, demonstrar minha preocupação, e imagino que seja também de muitos dos senhores, sobre o posicionamento do presidente Lula em relação ao presidente da Venezuela, Hugo Chávez. O presidente brasileiro, que preferiu se calar no entrevero com o presidente da Bolívia, Evo Morales, que nacionalizou as refinarias brasileiras, agora resolveu sair em defesa do colega Chávez.
Enquanto a comunidade internacional vê com preocupação a situação na Venezuela, Lula disse não enxergar problema algum. Segundo o presidente brasileiro, Chávez pode ser criticado por qualquer outra coisa, menos por falta de democracia. É difícil imaginar que o presidente Lula possa estar mal informado do que acontece na Venezuela. Ele deve ler jornais, deve conversar com seu assessor para assuntos internacionais, Marco Aurélio Garcia, com o Itamaraty. No entanto, parece não dar importância ao que vem acontecendo na Venezuela, finge desconhecer as intenções do amigo Chávez e confunde democracia com realização de plebiscitos.
O caudilho Chávez tornou-se conhecido e popular na tentativa frustrada de golpe, em 1992. Eleito, convocou uma constituinte e conseguiu que seus aliados lhe proporcionassem maioria folgada no Congresso. Para o Judiciário, nomeou ministros alinhados ao seu governo. Em maio, não renovou a concessão da CRTV, que lhe fazia oposição, e agora quer alterar a Constituição para poder se reeleger quantas vezes quiser.
Com os petrodólares, Chávez já investiu bilhões para socorrer seus colegas presidentes da América e tem deles a gratidão necessária para manter em curso e sem entraves seu projeto de poder na Venezuela e a ampliação de sua influência no continente. Chávez destinou US$ 3,2 bilhões para a aquisição de títulos da dívida pública Argentina e outros R$ 100 milhões no Paraguai. Na Bolívia, aplicou R$ 130 milhões em fundos de financiamento para projetos sociais e de infra-estrutura. Hugo Chávez acredita ser a reencarnação de Simon Bolívar, que lutou contra a influência espanhola sobre os países da América do Sul, enquanto Lula crê que Chávez possa ser sua própria imagem refletida no espelho.
Ao defender a pseudodemocracia da Venezuela, sustentada por uma maioria artificial, pela perseguição das vozes discordantes e financiada pelos petrodólares, Lula está fazendo a defesa de seu projeto de poder. Assim como Chávez, o PT de Lula não esconde o desejo de alterar as regras do jogo para permitir a re-reeleição e não consegue esconder seu caráter autoritário nas decisões de governo.
A convocação de uma Constituinte foi um dos pontos aprovados no 3º Encontro Nacional do PT, realizado em setembro. A emenda constitucional que permite o terceiro mandato presidencial também está prontinha. Foi divulgada numa tentativa de sondar a receptividade da sociedade. Se a reação for boa, a tropa de choque do governo estará pronta para o embate e, contando com a maioria que conseguiu aglutinar na base de concessões e benesses, não terá muita dificuldade para modificar a Constituição e transformar a democracia numa democratura, como na Venezuela.
Lula defendeu o presidente Chávez porque, no fundo, sabe que se parece com ele. São semelhantes, jogam no mesmo time. Têm comportamentos velados, travestidos de democratas, enquanto escondem o gosto pelo autoritarismo. Chávez tem sido uma boa escola para o presidente brasileiro. Lula quer implantar a TV Pública, que tem tudo para ser um poderoso meio de propaganda do governo. A TV do Lula terá um orçamento de R$ 350 milhões para o ano que vem, seu estatuto será definido por meio de decreto e o Conselho Curador, órgão que, a priori, tem o objetivo de zelar pela independência da TV, terá, entre seus 20 membros, 19 ligados ao governo, entre eles quatro ministros. A TV será pública sim, mas no sentido de ser do governo.
A TV Pública foi criada por Medida Provisória publicada no Diário Oficial do dia 11 de outubro. Será analisada nesta Casa com a celeridade prevista para as matérias de relevância e urgência, que caracterizam as Medidas Provisórias. A pergunta que temos a fazer é: a criação da TV Pública é urgente para quem” Para a sociedade” Não, a TV pública é uma urgência para o governo, que adotou o calendário eleitoral como parâmetro para suas ações em detrimento de uma agenda em favor do país.
A criação da TV Pública poderia ser encaminhada a esta Casa como projeto de lei, cuja tramitação depende de discussões mais profundas e que, portanto, requerem mais tempo. O governo não teria dificuldade em aprová-la. Já conseguiu enfiar goela abaixo matérias talvez mais polêmicas, como a prorrogação da CPMF até 2011.
Com a base de sustentação que tem, o governo conseguiria criar a TV Pública, mas isso demandaria tempo, obrigá-lo-ia a esmiuçar a proposta. E tempo é algo precioso para o governo. A cada dia que passa, 2010 fica mais próximo. Essa é a urgência da MP da TV Pública. Já para outras matérias, que são fundamentais para o desenvolvimento do país, como a reforma tributária, a previdenciária, a trabalhista, o governo não tem tanta pressa assim. Estão lá, largadas nos escaninhos e nos descaminhos do governo.
Assim, senhor presidente, colegas deputados, há elementos suficientes para duvidarmos que a TV pública seja independente e plural, como alega o governo, e que irá levar informação imparcial e necessária à sociedade, que até agora não sentiu qualquer falta de uma rede de TV para divulgar os atos do governo. Aliás, em termos de propaganda governamental nem a sociedade, nem o governo têm do que reclamar. O investimento em mídia do governo federal, envolvendo seus órgãos e suas empresas, é crescente.
No ano passado foram gastos R$ 1,015 bilhão. Em 2005, foram R$ 962 milhões. Fatalmente este ano, as despesas serão ainda maiores. Não estranhemos se, daqui a pouco, o governo editar uma Medida Provisória criando mais um ministério, o da Propaganda, que é a sua especialidade. A TV Pública será apenas mais um instrumento para o governo sobreviver das ações que só existem na propaganda.
O que foi o Fome Zero, arquitetado para ser a marca do primeiro mandato e que caiu no esquecimento” O que é o Programa de Aceleração do Crescimento, que não sai do papel” São apenas peças publicitárias, elaboradas para preencher a ausência de ações necessárias para o país avançar, mas que não têm a mesma urgência para o governo como têm a criação da TV Pública.
Quero manifestar aqui a minha preocupação e minha desconfiança sobre as reais motivações para a implementação da Empresa Brasil de Comunicação, que tem tudo para ser um horário eleitoral permanente em favor do governo e custeado pelo contribuinte, que sequer se manifestou sobre o assunto. A TV Pública é mais uma manifestação do “petecentrismo” que domina o governo e que defende e prega que a sociedade deve bancar, com o suado dinheiro dos impostos, as estratégias e instrumentos que dêem suporte ao seu projeto de continuar no poder.
Na semana passada, a imprensa noticiou a troca de diretorias do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), substituindo economistas que não eram alinhados com o governo por outros que rezam a cartilha oficial. Desde que foi criado, em 1964, o IPEA sempre manteve sua postura independente do governo que estava de plantão, mesmo durante a ditadura militar. O governo trocou as diretorias porque não estava contente com os relatórios do instituto, que apontavam elevação desenfreada dos gastos públicos e fazem críticas à política econômica.
Para o governo, democracia é isso: se a imprensa critica, que seja criada uma TV Pública, bancada pela sociedade para fazer propaganda oficial. Se o crescimento econômico do país é vexatório, que seja mudada a metodologia para o cálculo, como foi feito no IBGE no começo do ano; se os relatórios do IPEA não são favoráveis, que seus executores sejam substituídos. Se o governo não consegue maioria para votar as medidas que lhe interessam, que mais cargos sejam negociados. Se o governo mantém em seus programas assistencialistas um em cada quatro brasileiros, que se coloque em discussão a possibilidade de um terceiro mandato para o presidente. Essa é a democracia que o governo defende e que o faz tão parecido com Hugo Chávez. Ao defender o presidente venezuelano, Lula deu voz a seu subconsciente, que diz: posso ser ele amanhã. Era o que eu tinha a dizer. Muito obrigado.