Trajetória brasileira divide-se antes e depois do governo de FHC, premiado nesta semana nos EUA
Fernando Henrique Cardoso recebeu mais uma justa homenagem nesta semana. Pela sua vasta produção intelectual e sua trajetória política na transformação do Brasil, mereceu o reconhecimento do prêmio John W. Kluge, concedido pela Biblioteca do Congresso americano. É motivo de comemoração e orgulho de todos os brasileiros. Não é qualquer país que pôde ter um presidente como este.
O prêmio é uma espécie de Nobel das ciências sociais e humanas, uma vez que a academia sueca não agracia quem se dedica a disciplinas desta área do conhecimento. Apenas sete pessoas haviam recebido o John W. Kluge até hoje. Descrito como “um estudioso de enorme energia intelectual”, Fernando Henrique é o primeiro ganhador cujos trabalhos abarcam os campos da sociologia, da ciência política e da economia.
No rigoroso texto em que anunciou, em maio, o premiado deste ano (que merece ser lido na íntegra), a Biblioteca do Congresso americano justificou assim a escolha: “Sua análise científica das estruturas sociais de governo, relações de economia e raça no Brasil lançou as bases intelectuais para sua liderança como presidente na transformação do país de uma ditadura militar com inflação alta em uma democracia vibrante e mais inclusiva, com forte crescimento econômico.”
O prêmio Kluge existe desde 2003 – quando laureou o filósofo polonês Leszek Kolakowski – e escolhe quem exibe “compreensão da experiência humana”. Não tem periodicidade fixa e desde 2008 não era concedido. Em três das quatro ocasiões anteriores, a premiação foi dividida entre dois ganhadores. Desta vez, o homem que governou o Brasil entre 1995 e 2002 foi agraciado sozinho, escolhido por meio de consulta a cerca de 3 mil intelectuais e pessoas públicas em todo o mundo. Sinal de distinção.
Fernando Henrique merece todo o reconhecimento internacional pela forma como conduziu o Brasil em seus dois mandatos. Nos oito anos de seu governo, o país teve suas estruturas profundamente alteradas. Uma revolução silenciosa dizimou a hiperinflação que por décadas ceifou o horizonte dos brasileiros, modernizou as estruturas de produção, quebrou o círculo vicioso da pobreza e elevou o nível de vida da nossa população.
A lista de realizações é longa, começando pela implantação do Plano Real, que Fernando Henrique conduziu ainda como ministro da Fazenda do governo Itamar Franco. A estabilidade da moeda reduziu a desigualdade social, abriu as portas do mercado de consumo para milhões de brasileiros e deu-lhes mais dignidade e qualidade de vida.
Passa também pelas privatizações, que, junto com a estabilização da economia, trouxeram mais oportunidades e conforto a milhões de pessoas e desataram alguns dos nós que travavam o avanço do país. E inclui a montagem de uma vasta rede de proteção social, focada na emancipação dos mais pobres e não na perpetuação de sua dependência ao Estado.
Mas o ímpeto de Fernando Henrique não parou aí. Reformas estruturais legaram ao país instituições mais sólidas, independentes, democráticas. Em sua gestão, tanto o poder público quanto o setor privado tiveram de se tornar mais transparentes e responsáveis perante os cidadãos. Políticas públicas inovadoras, como a Lei de Responsabilidade Fiscal e o Proer, deram solidez ao país e hoje tornaram-se paradigmas mundiais. Em suma, com a sua presidência, o Brasil ascendeu à condição de grande nação.
O rigor analítico do intelectual sobre processos políticos, econômicos e sociais iluminou as políticas e ações do governante, o que torna Fernando Henrique caso ímpar no mundo. “Talvez a maior prova de sua realização intelectual é que seus sucessores continuaram muitas de suas políticas e asseguraram seu legado como um dos maiores líderes do Brasil”, completa o texto divulgado pela Biblioteca do Congresso americano em maio.
Aos 81 anos, com 23 livros acadêmicos publicados e escolhido pela Foreign Policy um dos cem intelectuais públicos mais importantes do mundo, o presidente continua suas atividades, inquieto, provocativo e inovador. Dedica-se a temas como políticas internacionais antidrogas e formas mais humanitárias de tratamento da aids. “Continuo a tentar fazer minha pequena parte, ainda contando com as reservas da razão e da emoção”, disse ele, na cerimônia de premiação, em Washington.
Nunca antes na história, havíamos tido um presidente dedicado a provocar tantas e tão profundas transformações na vida do país, tantas e tão relevantes repercussões no mundo. A trajetória da nação brasileira divide-se em antes e depois de Fernando Henrique Cardoso. Seu governo preparou o Brasil para as próximas gerações – e não para as próximas eleições, como voltou a ser praxe nos anos recentes. Dia após dia, cresce o reconhecimento a seu legado. Nada mais merecido.