A greve dos professores de universidades e institutos federais de ensino superior completa dois meses nesta terça-feira, com 95% das instituições paralisadas e um impasse entre grevistas e o governo federal que parece longe do fim. Os professores de 57 das 59 universidades federais do país estão com os braços cruzados. As mais recentes instituições a aderir à greve foram a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e a Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA). Apenas a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e a Universidade Federal de Itajubá (Unifei) não interromperam as atividades, segundo balanço do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes). A greve atinge ainda 34 dos 38 institutos federais, dois centros de educação tecnológica e 14 unidades do Colégio Pedro II, localizadas no Rio de Janeiro. O sindicato classifica a greve como a maior da história em número de adesões.
Na última sexta-feira, o governo propôs reajuste salarial e mudanças no plano de carreira dos professores, a vigorar a partir de 2013. O Andes, contudo, criticou veementemente as propostas dizendo que o governo “faz um jogo de números maquiados”, consolidando uma “soma de distorções”. Por meio de documento enviado às seções sindicais filiadas, o sindicato pede que os professores rejeitem a proposta e mantenham a paralisação. “A tarefa é manter e radicalizar a greve, o que significa intensificar o movimento e desmascarar a proposta do governo”, diz o comunicado. Do outro lado, o governo pede o fim da paralisação e reitera a greve como “precipitada”.
A história ainda terá novos capítulos. Para quarta-feira, os professores prometem uma manifestação em Brasília. Ao longo de toda a semana, as seções sindicais de cada estado devem realizar assembleias locais para avaliar e votar as propostas. Na próxima segunda-feira, os docentes devem apresentar uma contraproposta em nova reunião com o governo.
Impasse – A greve teve início no dia 17 de maio com professores de 33 instituições federais de ensino superior. À época,o ministro da educação, Aloizio Mercante, minimizou a paralisação e chegou a comparar os problemas de infraestrutura das federais às “dores do parto”.
A primeira reunião de negociação aconteceu no dia 13 de junho. Na ocasião, o Ministério do Planejamento propôs a reestruturação da carreira docente tomando como referência de remuneração a carreira de servidores do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. A proposta, contudo, foi rejeitada pela categoria. Uma segunda reunião, prevista para o dia 19 de junho, foi cancelada pelo governo, sem justificativas. Na última quarta-feira, o Andes protocolou uma carta no Palácio do Planalto dirigida à presidente Dilma Rousseff pedindo a retomada do diálogo. Na sexta-feira, Mercadante e a ministra Miriam Belchior, do Ministério do Planejamento, se reuniram com os professsores.
Pela proposta apresentada, o salário inicial do professor com doutorado e regime de dedicação exclusiva será de 8.400 reais ao final de três anos – os aumentos serão graduais no período. Os vencimentos dos docentes que já estão na universidade, com título de doutor e dedicação exclusiva, passarão de 7.300 reais para 10.000 reais. Por fim, também ao final de três anos, os salários de professores titulares com dedicação exclusiva passarão 17.100 reais, antes os 11.800 reais pagos hoje. Isso representa um aumento de 45% em termos nominais, mas não considera a inflação futura (confira aqui a proposta completa). O governo também aceita reduzir de 17 para 13 os níveis de carreira, como é exigido pelos docentes.
Para os institutos de educação, ciência e tecnologia, o governo afirma que, além da possibilidade de progressão pela titulação, haverá um novo “processo de certificação do conhecimento tecnológico e experiência acumulados” (confira aqui a proposta completa). O governo afirmou que os valores anunciados já incluem o reajuste de 4% à categoria garantido por uma medida provisória editada pelo governo federal em maio deste ano. Segundo Miriam Belchior, o reajuste vai custar 3,9 bilhões de reais ao orçamento federal.
Críticas – Já o Andes alega que a proposta toma como base os salários de julho de 2010 e projeta um resultado para 2015, omitindo a inflação do período – superior a 35%. Outra crítica é de que a proposta apresenta apenas ganho real para a classe de professor titular, topo da carreira, que hoje representa menos de 10% da categoria. “A proposta não é atrativa para todos os níveis de professores. Eles não têm garantia de uma remuneração adequada e constante”, diz Marinalva Oliveira, presidente do sindicato.
Os docentes reivindicam reestruturação da carreira, com valorização da atividade acadêmica, baseando-se no tripé ensino, pesquisa e extensão. Em vez dos atuais 17 níveis de remuneração, pedem 13, com variação salarial de 5% entre eles e piso de 2.329,35 reais para 20 horas semanais de trabalho. Hoje, é de 1.597,92 reais. Além disso, querem dedicação exclusiva como regime preferencial de trabalho e pleiteiam carreira única para os professores federais – sem distinção entre magistério superior e magistério do ensino básico, técnico e tecnológico.
Outro ponto está relacionado a melhores condições de trabalho e infraestrutura. Eles criticam a processo de “precarização” vivido pelas universidades como consequência, principalmente, do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), criado pelo governo federal em 2007.
Muitas universidades expandiram o número de alunos sem que houvesse infraestrutura adequada. A Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), por exemplo, aumentou em 520% o número de vagas, mas faltam laboratórios, refeitórios e até salas de aula nos novos campi criados. No Rio de Janeiro, a expansão acontece em universidades de lata. No interior do estado, contêineres servem de sala de aula e de depósito para material que deveria servir para cursos da Universidade Federal Fluminense (UFF). Entre 2007 e 2011, o Ministério da Educação (MEC) repassou 4,4 bilhões de reais às federais para obras do Reuni. Contudo, um relatório da Controladoria Geral da União (CGU) aponta atraso em uma de cada quatro construções avaliadas.
Os mais prejudicados pela situação são – é claro – os alunos. Eles não sofrem apenas com a greve, mas com o sucateamento das instalações de algumas instituições federais. É o caso de Mara Luana Severo, de 22 anos. A estudante iniciou o curso de odontologia no campus de Patos, localizado no sertão paraibano, da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), em 2009. As aulas, porém, começaram sem salas de aula ou até mesmo professores da área. A aluna assistia às aulas no auditório da instituição e viajava semanalmente cerca de duas horas e meia para cursar a disciplina de anatomia no campus central. Mara chegou ao 3º ano da graduação sem aulas práticas por falta de laboratórios e clínicas médicas. Quando finalmente a clínica odontológica do campus ficou pronta teve início a greve dos professores. “Mesmo com todas as dificuldades, achava que iria me formar este ano. Agora, ninguém sabe como vai ficar. É uma bola de neve sem fim”, lamenta.