Diante da explosão do consumo de crack, o governo de São Paulo tomou a ousada iniciativa de proceder a internação compulsória de usuários. Trata-se de medida extrema, diante de uma situação extrema: o limiar em que o ser humano perde, praticamente por completo, o controle de seus atos. Omitir-se perante esta realidade seria bem pior.
A iniciativa foi deflagrada no início desta semana na região central da cidade de São Paulo. Desde então, vem suscitando acalorados debates entre defensores e opositores. Mas os primeiros resultados efetivos começam a aparecer: dezenas de usuários têm procurado as equipes multidisciplinares escaladas pelo governo paulista para atender os dependentes químicos.
O trabalho envolve parceria com o Ministério Público, o Tribunal de Justiça e a OAB, que atuam para agilizar a internação compulsória de viciados em casos extremos e encaminhá-los para internação e tratamento em órgãos públicos de atendimento e assistência social. Há quase 700 leitos disponíveis para acolhimento no estado de São Paulo.
Tudo tem amparo legal: a Lei Federal de Psiquiatria (n° 10.216, de 2001) permite tanto a internação compulsória quanto a involuntária. Para que a internação aconteça, são necessários laudo médico e decisão judicial, com objetivo de resguardar direitos e preservar a vida do cidadão. Um plantão judiciário acompanha toda a operação, que não envolve uso de força policial e pretende ser uma ação permanente do Estado.
O governo paulista é o primeiro a adotar a estratégia, mas outros estados já ensaiam seguir o mesmo caminho, como o Rio de Janeiro. Trata-se de iniciativas do poder público em suas diferentes esferas para enfrentar um problema que se transformou numa verdadeira guerra dentro do Brasil: o consumo de crack tomou proporções alarmantes e exige atuação urgente.
Antes confinada a grandes centros urbanos, a droga, um subproduto barato e devastador da cocaína, vem se espalhando por todo o país nos últimos anos. Praticamente não há mais localidades onde o consumo do crack não esteja presente e seja motivo de angústia para milhares de famílias. Jovens, adultos e idosos estão entre suas vítimas.
Segundo levantamento feito pela Confederação Nacional dos Municípios em fins de 2011, 90% das cidades brasileiras registram consumo de crack. O subproduto do uso da droga é a violência: pesquisa feita por estudiosos da PUC Minas Gerais indicaram estreita correlação entre a disseminação da droga e o aumento de homicídios.
Tamanha ocorrência, em proporção de epidemia, deveria ser suficiente para comover o governo federal a agir com redobrada ênfase. Mas não é o que se vê. O tema já suscitou ações inócuas lançadas por Lula em fim de mandato, foi tema de campanha de Dilma Rousseff e deu origem a um novo programa, anunciado pela presidente em dezembro de 2011.
Batizado de “Crack, é possível vencer”, ainda está, contudo, muito longe de alcançar suas metas. Um exemplo: o governo anunciou que pretendia criar 2.460 leitos em enfermarias especializadas para acolher usuários, mas, até agora, segundo o Ministério da Saúde, foram abertas apenas 124 vagas, ou 5% do total prometido, informou O Globo na semana passada.
O que parece fora de questão é que o enfrentamento às drogas e a busca pela redução do consumo devem estar no topo da agenda das autoridades públicas brasileiras. Não há uma solução única para problema tão dramático quanto complexo. A ação do governo paulista mostra-se um esforço a mais nesta direção. Agir é muito melhor do que simplesmente ver a situação degringolar ainda mais, sem sair do lugar.