Tania Malinski
O Dia 21 de março é o dia internacional do combate à discriminação racial. É uma data importante e fundamental para o Brasil, que deveria ter um dia Nacional de combate à discriminação racial. Zumbi é uma referência de luta para os negros, o dia do Índio também existe para os indígenas. O Dia do combate à discriminação é para todos, é um marco que deveria ser motivo de reflexão para todos.
É um reconhecimento de injustiças passadas e um alento de que novas não serão cometidas. Até para quem se considera em um grupo social que historicamente não foi segregado, é uma garantia de que também no futuro não passará a ser visto como um integrante de um segmento da sociedade.
Este tema para mim é apaixonante. Desde pequena, criada em uma família brasileira branca de vivência internacional e de bom padrão intelectual, sempre ouvi, nas reuniões de família, que o Brasil tinha uma grande dívida para com os negros no País. Li o livro Uncle Tom´s Cabin, que conta a história de um velho negro escravo nos EUA, estudei sobre a rede subterrânea que lá existiu para livrar os escravos do cativeiro, e sei que essas histórias me marcaram. Não via os negros brasileiros passeando na praia do Leblon, e quase sempre os via como empregadas domésticas ou motoristas.
Também sempre me marcou ir ao Rio de Janeiro e tentar não me sentir incomodada com o fato de que uma cidade considerada maravilhosa, e que realmente é, tem tanta gente vivendo em situação subumana, ou jogada nas ruas ou vivendo em favelas, vitimados não só por situações insalubres mas também violentas. Impossível não reparar que a maioria dessas pessoas literalmente abandonadas eram negras.
Quando, já servidora pública federal, soube que o governo Fernando Henrique Cardoso estava lançando um Plano Nacional de Ações Afirmativas, aquilo mexeu comigo profundamente, porque pela primeira vez eu senti que no Brasil a Administração Pública estava preocupada em superar as desigualdades mexendo numa de suas causas mais arraigadas. Não precisamos ser estatísticos do IPEA para vermos como a escravidão dos negros no Brasil ainda produz efeitos em nossa sociedade, como ainda não são iguais as oportunidades.
Eu senti que um Presidente estava iniciando um processo de justiça no País. Sempre tentei entender a situação dos jovens nas favelas no sentido de que na ausência do Estado a tentação para o justicialismo ou para o dinheiro fácil era maior. Mas sempre me preocupei que o Estado fizesse justiça, de alguma forma. Sempre acreditei e continuo acreditando na possibilidade de que um dia o Estado brasileiro atenderá as pessoas de baixa renda de forma equânime, que a Justiça será uma instituição de igual acesso a todos. Que existe solução e que as cidades brasileiras não precisam ser assim. Que a vida no campo também não. Há espaço para todos.
Essa questão da igualdade seja qual for ela é fundamental para a Identidade Nacional. O Brasil é um país que já nasceu plural e portanto valorizar uma das suas raízes, a Africana, é valorizar o todo, é valorizar nosso conjunto. A Europa sempre foi valorizada. Ser descendente de europeu, mesmo que imigrante, nunca teve o peso de não saber de que país seus antepassados vieram, de ter sua raça associada a coisas negativas constantemente.
Quem é negro ou já teve convívio próximo com a causa do movimento negro sabe como a questão da auto-estima tem de ser constantemente trabalhada. Falo isso porque mesmo branca tenho um filho negro e sempre foi um processo doloroso deixa-lo ter contato com tantos estereótipos e preconceitos que a mídia e a sociedade brasileira ainda veiculam. Do simples fato de ir ao supermercado e não encontrar um produto com uma foto de menino negro ou tê-lo voltar da escola relatando episódios de racismo e ter de comfortá-lo de que a cor da pele não cria superioridade ou inferioridade alguma.
É uma tarefa difícil essa pois no final, sempre nos dirão que nós é que estamos colocando coisas na cabeça dos filhos. Fiz tudo isso para que não sofresse e tenho a certeza de que ele tem orgulho de ser negro e que sabe que isso é uma contingência que não tem importância e que também TEM importância. Que mais que isso, é um ser humano e daí brota seu direito a dignidade.
Acho que todos sonhamos com uma sociedade sem maiorias ou minorias. Irrelevante se um Presidente veio da ascendência da nobreza imperial ou do operariado, se é branco, negro ou indígena, no final das contas. É importante que esteja falando por todos e também pelo Estado brasileiro. Prestará contas sobre o que está fazendo para o povo como um conjunto. Não estamos elegendo um Presidente para ser celebridade e sim para administrar o país, trazer benefícios concretos, liderar a população.
Por isso tenho esperanças de que a linha que fundou o Plano Nacional de FHC seja retomada, não para ser objeto de defesa pelos negros apenas, mas para uma discussão ampla na sociedade partidária social-democrata. O racismo negro é tão condenável quanto o branco ou qualquer outro. A saída obviamente não será um marxismo de cor, uma intolerância da classe oprimida para com os novos excluídos ideológicos. O objetivo é justamente o oposto, que alcancemos um patamar em que haja oportunidades iguais, valorização justa de todas as origens, sejam européias, africanas, asiáticas ou qualquer outra.
Para isso conto que a militância se envolva no tema. O compromisso com uma agenda de direitos para uns, é um compromisso com uma agenda de direitos para todos.
A grandeza do Brasil passa pela grandeza da sua gente, que, no fundo, é uma gente mestiça, acolhedora, diversa e tolerante e que tem seu papel no mundo justamente por isso.