É possível que, a esta altura, ninguém seja capaz de dizer o que exatamente o Congresso está aprovando como nova regra para os portos brasileiros. A medida provisória 595 foi editada pelo governo sob a justificativa de buscar a modernização do setor, mas o mais provável é que, a esta altura, as boas intenções tenham sido jogadas ao mar durante a tramitação. Quiçá terá sobrado um monstrengo.
A MP chegou ao Congresso em dezembro do ano passado. Pelas normas regimentais vigentes, se não for votada até hoje, quinta-feira, o texto perderá validade. Com isso, a discussão teria que ser reiniciada. Diante da balbúrdia que cercou o encaminhamento e a tramitação da proposta, a caducidade seria o melhor que poderia acontecer. O ideal é começar do zero.
Até esta manhã, o texto final da MP ainda não havia sido aprovado pela Câmara. A votação em plenário vem sendo feita desde a última segunda-feira, em turnos que ultrapassam 20 horas de votação. Zonzos, os parlamentares são incapazes de dizer o que, afinal, estão aprovando ou rejeitando. Qualquer um seria.
Concluída a votação na Câmara, o texto que modifica todo o arcabouço legal que rege os portos do Brasil passará a ser apreciado, discutido e votado no plenário do Senado. Menos de 12 horas é o prazo que os senadores terão para tanto. Quem, em qualquer atividade, tomaria, em sã consciência, decisões desta envergadura submetido a tais condições?
Para comprometer ainda mais a qualidade da discussão, os debates – se é que podem ser chamados assim – ocorridos durante a tramitação da MP foram recheados de acusações cabeludas, levantando suspeitas pesadas sobre os interesses envolvidos no assunto. Às vezes são tão complexos que é precisodesenhá-los.
Conflitos desta natureza sempre existirão em matéria legislativa, mas aprovar uma regra que se pretende duradoura para um segmento tão crucial para o futuro do país sem investigar se as denúncias procedem ou não é agir de forma muito temerária. Quando não há sequer a convicção sobre o mérito das mudanças apreciadas, proceder desta maneira beira a irresponsabilidade.
Pelos portos, passam 90% das cargas exportadas e importadas pelo Brasil. Desnecessário dizer como eles são fundamentais para impedir que o país sufoque de vez, asfixiado por uma logística em frangalhos. A capacidade de movimentação dos terminais – 370 milhões de toneladas atualmente – já ultrapassou todos os seus limites. Precisaria mais que isso para justificar atenção especial do governo ao assunto?
A mudança nos portos demandaria um arcabouço legal com a consistência de uma reforma estrutural, em formato de projeto de lei a ser exaustivamente discutido e aperfeiçoado no Congresso. Seria a forma de assegurar que a sociedade, especialistas e todos os setores afetados fossem efetivamente ouvidos e a melhor solução, alcançada.
Foi assim em 1993, quando o governo Itamar Franco aprovou a lei que atualmente rege o setor. O que lá atrás demandou três anos de discussões, o governo quis agora resolver em cinco meses. E ameaça, se for derrotado no Congresso, vetar o que bem lhe aprouver e alterar tudo depois por meio de decretos e regulamentos.
A situação da nossa infraestrutura ficou mais delicada nestes 20 anos, a logística passou a demandar soluções cada vez mais complexas, o país cresceu. Mas o governo petista parece ter achado que bastava ligar o seu trator e passá-lo sobre o Congresso para superar os desafios.
Talvez o governo Dilma aja desta maneira na ânsia de recuperar o tempo perdido pela resistência dogmática dela e do PT à maior participação privada nos investimentos de que o país necessita. Talvez seja por mera incompetência mesmo. O mais provável é que a razão seja uma mistura das duas coisas.
Avançamos para completar o 11° ano de gestão petista e o terceiro do governo da presidente. Mas os problemas do país continuam a ser enfrentados na base do improviso, na undécima hora, numa eterna corrida contra o tempo e embalados em tenebrosas negociações. Este espetáculo mambembe e aterrorizante só produz monstros e assombrações.