Brasília – “PT ignorou por 10 anos a situação de calamidade dos portos brasileiros”, criticou hoje o senador Aécio Neves (PSDB-MG). Durante discurso, o senador defendeu a modernização do setor, mas avaliou que a discussão deve ser feita por envio de projeto de lei ao Congresso Nacional, e não por meio da Medida Provisória 595, cujo prazo para votação termina nesta quinta-feira (16). Aécio Neves condenou a falta de tempo para discutir e votar a MP. “A votação da MP hoje é uma afronta aos senadores”, afirmou.
Confira abaixo a íntegra do discurso de Aécio Neves hoje no Senado.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, mais um dia de enorme constrangimento para o Senado da República. Nós do PSDB, Sr. Presidente, não precisamos explicar nossa posição em relação à situação dos portos brasileiros, até porque não mudamos. Desde 1993, quando, por iniciativa do então Presidente Itamar Franco, por projeto de lei, chegou ao Congresso Nacional a Lei dos Portos, nós nos colocamos a favor. Era Ministro dos Transportes o companheiro Alberto Goldman, hoje Vice-Presidente nacional do Partido.
Avanços importantes vieram a partir daquela lei. Temos o convencimento claro de que outros estruturais precisarão vir, Sr. Presidente, mas não podem vir sob o risco de, mais uma vez, submeter esta Casa do Congresso Nacional ao achincalhe.
V. Exª, Presidente Renan Calheiros, se lembrará de que o tema relativo ao trâmite das medidas provisórias sempre foi uma preocupação pessoal que eu trago desde que aqui cheguei há muitos anos.
Quando assumi a Presidência da Câmara, Senador Renan Calheiros, o rito era diferente, mais perverso para com esta Casa. As medidas provisórias eram editadas pelo Governo Federal com um pouco mais de parcimônia do que acontece hoje e não havia um prazo limite para que elas fossem discutidas e votadas.
Eu me lembro de que, no ano de 2001, quando eu estava na Presidência da Câmara dos Deputados – Líder Eduardo Braga, V. Exª se lembrará disto –, tínhamos ainda na gaveta, nos arquivos da Câmara, sem que houvesse sido submetida a voto, a medida provisória do Plano Real, que havia sido publicada seis anos antes. Era Presidente da República Fernando Henrique Cardoso, que, como qualquer Presidente, tinha também nas medidas provisórias um instrumento importante para a gestão do País.
Procurei o Presidente da República. Eu havia sido seu Líder por quatro anos sucessivos. O Ministro da Secretaria-Geral da Presidência chamava-se Aloysio Nunes, hoje Líder do PSDB nesta Casa. Mostrei ao Presidente que, naquele instante, era absolutamente necessário, para resgatar as prerrogativas do Poder Legislativo, que ele compreendesse que precisávamos de um avanço. Não era possível que o Governo editasse medidas provisórias que viravam leis sem que o Congresso sequer tivesse o direito de discuti-las e aprimorá-las. Num grande e histórico entendimento, Presidente Renan Calheiros, que tive a honra e o privilégio de conduzir, nós estabelecemos um novo rito, com avanços, sem dúvidas, porque se estabeleceu prazo de vigência da medida provisória até que o Congresso – a Câmara e, depois, o Senado – pudesse aprová-la.
Obviamente, incorremos em equívocos, e vícios vieram, como, por exemplo, o trancamento da pauta em função do excesso de medidas provisórias editadas. Por essa razão, quando retornei ao Congresso Nacional, já no Senado da República, em entendimento com o Presidente Sarney – era V. Exª Líder do maior partido nesta Casa –, propusemos, num ato de autoria do Presidente Sarney, um projeto que novamente corrigia equívocos e dava um salto a mais na tramitação das medidas provisórias.
Há um ano e nove meses, aprovamos, com uma inédita unanimidade nesta Casa, esse novo processo, que ficou, Sr. Presidente, por nove meses parado na Comissão de Justiça da Câmara dos Deputados, conduzida pelo Partido dos Trabalhadores. O relator designado, o ex-Presidente do Partido, Ricardo Berzoini, demorou nove meses para apresentar o seu relatório, e, desde que o apresentou há um ano, não foi sequer designada pela Câmara dos Deputados a comissão especial para analisar aquela proposição.
Refresco a memória dos meus ilustres pares. Naquela proposição equilibrada, racional, que contou inclusive com a colaboração de V. Exª, nós fazíamos com que o prazo de 120 dias para a apreciação das medidas provisórias fosse dividido em 80 dias na Câmara e 30 dias no Senado, restando 10 dias para que a matéria, corrigida, aprimorada ou modificada pelo Senado da República pudesse retornar à Câmara Federal.
A não observância, por parte da Câmara, desse tema como prioridade significou, de certa forma, uma desconsideração para algo que o Senado da República propunha em benefício do equilíbrio entre os Poderes. Pois bem, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, mais uma vez, estamos aqui, os Parlamentares brasileiros, sujeitos à imposição do Governo Federal.
Dirijo-me pessoalmente a V. Exª, Senador Renan Calheiros. São poucos, muito poucos aqueles que têm oportunidade de se sentar na cadeira em que hoje se senta V. Exª, de se sentar na cadeira em que tive o privilégio e a honra de me sentar por dois anos, na Câmara dos Deputados.
Quando lá cheguei, abdiquei da minha condição de Líder do Governo do Presidente Fernando Henrique, que continuei a apoiar, e, integralmente, eu me transformei em Presidente da Instituição; honrei o meu juramento de garantir e preservar as prerrogativas da Câmara dos Deputados e orgulho-me de ter ajudado a recuperar algumas delas, como, em especial, o trâmite das medidas provisórias.
O destino, Presidente Renan, deu a V. Exª duas oportunidades, não apenas uma. E hoje V. Exª talvez tenha uma definitiva: dizer ao País e aos seus colegas Parlamentares que V. Exª é essencialmente o Presidente do Senado da República e do Congresso Nacional. É um achincalhe, avilta a inteligência e a dignidade dos Parlamentares uma matéria dessa complexidade nos ser imposta, sem que tenhamos sequer o direito de aprimorá-la. Esse é o nosso dever, Senador Renan Calheiros.
Ela traz aspectos extremamente positivos e outros nem tanto. O caminho adequado, o caminho que se espera de V. Exª, como nosso Presidente, é dizer à Presidente da República que V. Exª apoia, mas não pode violentar o Regimento, que é a bíblia dos que aqui trabalham.
Presidente Renan, o art. 167, em seu parágrafo único, diz:
Art. 167……………………………………………………………………………..
Parágrafo único. Nenhuma matéria poderá ser incluída em Ordem do Dia sem que tenha sido efetivamente publicada no Diário do Senado Federal e em avulsos, no mínimo, com dez dias de antecedência.
Queremos a modernização dos portos. Atuamos e ajudamos para que eles avançassem nos últimos dez anos, apesar da objeção e da oposição do PT. E o caminho correto, o caminho que respeita esta Casa e a inteligência dos Parlamentares é que esta matéria, Senador Cristovam, seja enviada ao Congresso Nacional por projeto de lei, como sugere, inclusive, V. Exª, em regime de urgência, para que, em 45 dias, no máximo, seja aprovada.
E, nós do PSDB, de público, já assumimos aqui o compromisso de, num prazo até mais exíguo do que este, aprová-la no Senado da República. Não somos, Senador Renan, por mais que alguns Parlamentares da Base façam crer, uma extensão do Palácio do Planalto. Apoiar o Governo, qualquer Governo é legítimo, mas não ao preço que estão nos impondo.
Portanto, modificações em relação aos portos poderiam estar ocorrendo, inclusive, por ação exclusiva do Governo Federal, revogando um decreto de 2008 do Presidente da República, que criou complicações para que os portos privados pudessem movimentar cargas de terceiros. E, fazendo isso, enquanto discutíssemos aqui, através de um projeto de lei, estaríamos fazendo o correto.
Não me diga, Presidente Renan Calheiros, que a matéria é urgente, urgentíssima. Nós sabemos disso, porque o PT, durante dez anos, ignorou o estado de calamidade por que passam os portos brasileiros. Mas 45 dias na Câmara, 40 dias no Senado, meu Deus! Será que não compreendemos o papel que aqui desempenhamos? Somos Parlamentares eleitos, Presidente Renan Calheiros, não para dizer amém à Presidente da República.
Não tive temor, por maior que fosse o meu respeito – e ainda é – pelo Presidente Fernando Henrique. Que temor é esse que a Presidente da República impõe aos nossos pares nesta Casa e a sua Base Aliada? Não há um Senador da base com coragem suficiente para dizer: “Presidente, não! É o Congresso Nacional. Vivemos numa democracia, e a sua vontade não pode ser absoluta; o absolutismo já nos deixou há muito tempo.”
Portanto, prezado Presidente Renan, repito, para encerrar, são poucas as oportunidades que os homens públicos têm de reconciliar-se com a sua história e reconstruir sua biografia. Não perca, Senador Renan Calheiros, a oportunidade que o destino lhe deu.
Muito obrigado.