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Oportunidade perdida

Ao se discutir os legados que a Copa de 2014 poderia deixar ao Brasil, jamais se considerou entre eles uma duradoura cultura de paz, tolerância e respeito nos estádios. A selvageria no jogo Atlético-PR x Vasco, no último domingo, serve ao menos para desnudar o oba-oba ufanista e nos trazer de volta para o mundo real.Nas Olimpíadas de Pequim, em 2008, muitos fizeram piadas com a campanha do governo chinês contra as chamadas “pragas comportamentais”, como escarrar em público e furar fila. Por aqui, não foi gasto um tostão sequer para promover conscientização, mudança de postura e de mentalidade nos estádios.

Chutar a cabeça de alguém caído no chão, ou dar pauladas no rosto de uma pessoa desacordada, num estádio de futebol, diz muito da nossa concepção de espaço público, de anonimato e de impunidade. E o pior: há certo prazer convicto nesta violência, espécie de catarse com a aniquilação do outro.

O estádio, no vácuo de tantas outras ausências do Estado, tornou-se palco preferencial do espírito de turba, onde a disponibilidade para a violência é permanente e os agressores, ocasionais ou não, sentem-se à vontade para delinquir e brutalizar. Somos um país violento e negligente com a violência.

Agora, faltando seis meses para a Copa e depois de inúmeros episódios de selvageria — inclusive em algumas das arenas da Copa –, o governo vem a público condenar a violência e exigir policiamento dentro dos estádios. Como de costume, uma solução retórica foi improvisada: “delegacias do torcedor”.

Infelizmente, legado, por aqui, sempre foi sinônimo de obra. Assim foram justificados a queima de dinheiro público, os atrasos e os indícios de desvio, sobrepreço e corrupção, mesmo num momento em que o país sente falta de mais recursos para tantas outras coisas importantes e urgentes.

Para um governo que gosta e gasta tanto com propaganda, ainda há tempo para uma campanha de reeducação e de conscientização, que promova a tolerância, o respeito e a gentileza nos estádios, mas que também censure o comportamento antissocial, a inconveniência desrespeitosa e a agressividade gratuita.

A Copa é a ocasião perfeita para uma revolução na questão da violência nos estádios. Mais do que educar, é o momento de criar um espírito de fraternidade e diversão em torno da maior paixão do brasileiro. Faltam seis meses para a Copa e tudo o que o governo tem feito neste sentido é cultivar a chama de velhas bravatas nacionalistas.

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