Como ex-diretor de importantes hospitais públicos de São Paulo, sei da dificuldade de gerir uma unidade de saúde com orçamento limitado e finito. A rede pública de saúde conveniada ao SUS (Sistema Único de Saúde) é gigantesca e, por uma particularidade do país, conta com a participação fundamental das Santas Casas de Misericórdia, além dos hospitais privado-filantrópicos.
No Estado de São Paulo são cerca de 400 Santas Casas e hospitais filantrópicos, que respondem por metade dos atendimentos realizados pelo SUS. Em 22 de julho, a Santa Casa de São Paulo, de natureza privada e sem vínculo com o governo, interrompeu os atendimentos de urgência e emergência de seu hospital central por quase 30 horas alegando falta de materiais básicos, em razão de uma dívida de R$ 50 milhões com fornecedores.
O provedor justificou a medida dizendo que os valores repassados pelo poder público eram insuficientes. Nossa primeira preocupação foi solucionar a situação dos pacientes da Santa Casa, que, sem aviso prévio, foram impedidos de receber assistência no pronto-socorro (PS) da unidade. O governo paulista liberou de imediato R$ 3 milhões para que o hospital pudesse reabrir o PS.
Mas queremos ir além. Por meio de auditoria com o Ministério da Saúde, Estado, município, Promotoria Pública e Conselho Estadual da Saúde, pretendemos entender melhor as contas do complexo e contribuir para o aperfeiçoamento da gestão. Em 2013, a Santa Casa recebeu em recursos da União e do governo do Estado, R$ 421 milhões, o equivalente a 2,7 vezes o valor dos serviços prestados ao SUS, segundo a tabela de procedimentos do ministério. Ainda que essa tabela esteja (e está) muito defasada, é necessário olhar as planilhas com atenção.
É importante entender, porém, o absurdo equívoco cometido pelo Ministério da Saúde, a respeito do “desaparecimento” de mais de R$ 70 milhões no caminho entre Brasília e o hospital. Equívoco este que foi corroborado pelo desinformado provedor da Santa Casa, que talvez não saiba da existência de convênios com valores financeiros pré-estabelecidos assinados entre aspartes.
Na Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, esses recursos nunca chegaram. Ao apresentar uma tabela de supostos repasses federais de 2013, o Ministério da Saúde duplicou valores de incentivos já inclusos no valor da contratualização por determinação de portarias assinadas por diferentes ministros. Pasmem: trata-se do mesmo dinheiro. E ainda incluiu valores de outro tipo de incentivo pago com atraso e, mesmo assim, em três parcelas, neste ano.
A somatória culminou em uma desastrosa e infundada denúncia. O Estado jamais deixou de repassar recursos contratados para a Santa Casa ou para qualquer outro hospital conveniado. Não haveria sentido represar verbas federais se o governo estadual complementa esses valores com recursos próprios.É com planejamento, criatividade e ousadia, mas, acima de tudo, com
honestidade, que o governo do Estado reafirma seu compromisso de continuar apoiando as santas casas. Aos que erraram, espera-se que tenham, no mínimo, a humildade de admitir os seus equívocos e pedir desculpas, pois a vida continua.
DAVID UIP, 62, infectologista, é secretário da Saúde do Estado de São Paulo