Temos assistido às ações da prefeitura para incentivar o uso da bicicleta, baseadas em tinta e pincel, sem projeto. O que os cidadãos já podiam constatar em sua vizinhança agora chega à avenida Paulista, um dos cartões postais da cidade.
Sobre este assunto adoto a seguinte premissa: sou favorável e acho importante a ciclovia como forma de equilibrar os modais de transporte, integrando-os, sem prejudicar o comércio nem transformar a cidade num caos.
Não tenho dúvidas de que a avenida Paulista pode ser objeto de estudo para receber uma ciclovia, já que liga um eixo plano da Consolação até o Jabaquara. Contudo, não estou nem um pouco convencido de que a melhor alternativa seja a retirada do canteiro central.
A Paulista possui 48 metros de largura e 2,5 km de extensão e, segundo dados da CET (Companhia de Engenharia e Tráfego), apenas a faixa de pedestres em frente ao Conjunto Nacional recebe mais de 3.000 pedestres por hora. Por toda a avenida passam 1,5 milhão de pessoas por dia e 20 mil carros por hora durante o pico da manhã.
O canteiro central exerce importante papel na segurança da travessia dos pedestres e na segregação dos sentidos por onde fluem automóveis, além de abrigar iluminação pública e floreiras que atuam como barreiras aos pedestres e tem importante função estética.
Além disso, existe na Paulista bens tombados pelo município e pelo Estado que devem ser consultados previamente. Por acaso foi estudada a possibilidade de melhorar as vias paralelas como alternativa à ciclovia ou ao trânsito?
As intervenções na avenida Paulista, estimadas em R$ 15 milhões, devem ser qualificadoras, e não degradadoras, ainda que em caráter experimental.
O caso da Paulista deve servir de reflexão: qual política pública queremos para a mobilidade? Entre 2009 e 2012 foi implementado em São Paulo o maior programa de incentivo à bicicleta existente até hoje no país: por meio da Lei Cidade Limpa (2006), viabilizou-se a cooperação com parceiros privados e, sem qualquer gasto da prefeitura, permitiu-se a publicidade institucional em troca de melhorias na infraestrutura pública.
Os projetos Bike Sampa, Ciclo Sampa e Ciclofaixa, que atendem centenas de milhares de ciclistas todas as semanas, são resultado dessa política. A prefeitura disponibiliza, em parceria, mais de 2.000 bicicletas em 200 estações, com manutenção, sinalização e mais de 100 km de ciclofaixas. Uma das primeiras ciclovias de São Paulo é de 2007, na Radial Leste.
O incentivo ao transporte por bicicletas deve vir acompanhado de ações para tornarem a cidade amiga do ciclista: bicicletários, sinalização vertical e horizontal, rotas adequadas (se possível segregadas), pavimentação decente, monitoramento do número de viagens feitas (da eficácia das ações) e priorização de áreas onde as bicicletas já são utilizadas, como no Jardim Helena.
As bicicletas, se bem incentivadas, podem contribuir para a redução do ruído urbano e da emissão de poluentes, além de despertar um hábito saudável. Há em curso na União Europeia a elaboração de uma rede com mais de 20 mil km de estradas para ciclistas, o que nos desafia a pensar algo ousado e inovador, como a ciclovia do Parque Várzeas do Tietê até Salesópolis, em implementação, que terá 175 km.
Onde estão os estudos da prefeitura para escolha das rotas? Haverá bicicletários e empréstimo de bicicletas? Como será medido o aumento das viagens feitas? Estacionamentos comerciais receberão bicicletas? O uso será compartilhado com skate e patins?
Assunto tão importante não pode ficar refém de tinta, pincel e de uma administração que perdeu o guidão faz tempo.