Na última quarta-feira (26), o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso prestou depoimento de uma hora à Comissão Nacional da Verdade, em seu apartamento em São Paulo. Perseguido e cassado pela ditadura, FHC lembrou, entre outros assuntos relacionados à ditadura, os depoimentos prestados nas unidades militares, o encontro com o ex-ministro Golbery do Couto e Silva em que denunciou as torturas contra seus colegas e os tempos de exílio no Chile e na França.
Na entrevista, estavam presentes dois integrantes da comissão: o ex-ministro da Justiça do governo FHC, José Carlos Dias, e o secretário de Direitos Humanos na gestão tucana, Paulo Sérgio Pinheiro. O advogado Luiz Francisco Carvalho, que presidiu a Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos, também participou.
Segundo Fernando Henrique, os motivos que levaram à sua prisão em 64 foram “ridículos”. “(…) O fato é que decretaram a minha prisão. Havia várias alegações, algumas bastante ridículas. Uma é de que eu havia sido, e fui, tesoureiro do Centro de Estudos do Petróleo, que era a favor da Petrobras, para criar a Petrobras. Meu pai era presidente desse centro aqui em São Paulo. E isso naquela época era subversão. Segundo, eu era muito amigo do Darcy Ribeiro. Enfim, tinha uma porção de elementos fantasiosos que te transformavam numa pessoa perigosa”, afirmou.
O ex-presidente comentou também a época de exílio no Chile, onde ficou até 1967. “Eu até dizia de brincadeira: estão servindo caviar, mas é amargo. Em que sentido isso é amargo? Você vive a maior parte do tempo imaginando o que está acontecendo no país seu”, lembrou.
De volta ao Brasil, em outubro de 1968, Fernando Henrique foi aprovado no concurso para a cátedra de sociologia da USP, mas viu as liberdades ameaçadas pelo AI-5. “(…) O AI-5 era um fechamento completo. (…) Quando um dia eu estou indo para a faculdade de carro e ouço no rádio que tinham me cassado, perdido a cátedra, compulsoriamente, não sei o quê. Eu, o Florestan, Octavio Ianni e muitos outros. Na verdade, todos aqueles que a universidade tinha acusado lá atrás de novo foram cassados”, ressaltou.
FHC comentou também sobre a carta escrita a Ernesto Geisel. “(…) Naquela época, eles sabiam quem tinha torturado e tal, e o Severo me disse: “Você me escreve uma carta ao Geisel?”. Eu disse: “Eu escrevo”. E eu escrevi uma carta ao Geisel denunciando. E dei ao Severo. Depois, dei ao Severo. Passou um tempo, o Severo disse que o Geisel leu e perguntou: “E este daí também não é comunista?”. “Era eu. Então não aconteceu nada. E sabia o nome do delegado, e tudo isso”. Eu não conhecia Geisel e coisa nenhuma”, explicou.
Na entrevista, o ex-presidente citou ainda o encontro com o ex-ministro Golbery do Couto e Silva, no Palácio do Planalto. “Fui para a sala do Golbery, sozinho. E o Golbery começou assim: ‘Mas isso não pode continuar, isso é uma coisa de maus brasileiros, maus patriotas, não sei o que’. Eu disse: ‘Olha, general, o senhor me desculpe mas isso aí não é assim não. Porque eu estive lá’. Já tinha estado na OBA. E eu fui lá, eu vi gente, eu não fui torturado, mas eu vi gente torturada. E o Golbery: ‘Isso vai ser resolvido, isso vai ser resolvido’. Eu acho que o Golbery era sincero. Acho que eles estavam perdendo o controle da repressão. E ele disse: ‘Vocês vão procurar o Falcão’. Aí eu fui com o Antonio Candido ter um encontro mais tarde, que o Falcão encomendou, e foi péssimo. O Falcão era de uma agressividade enorme, e nos recebeu muito mal.”
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