Este ano de 2015 não está trazendo surpresas na economia. Para começar, era óbvio que o governo da presidente Dilma Rousseff descumpriria frontalmente seus compromissos de campanha eleitoral, o que, convenham, não surpreende quem estuda minimamente esse assunto. Creio até que as taxas de traição programática do primeiro governo Lula foram maiores que as do segundo governo Dilma – até aqui, ao menos.
Memória informa e também é política. Lembro-me de um Jornal Nacional no segundo turno das eleições de 2002: o Banco Central (BC) elevara os juros e Lula foi chamado a opinar. Não deixou por menos: “Isso é coisa de governo que serve aos bancos, governo de banqueiros!”. O candidato da situação – eu mesmo! -, em posição obviamente desconfortável, também falou, poupando o BC de críticas e atribuindo a medida às incertezas do processo eleitoral. Desdobramento: o petista venceu, nomeou um banqueiro para a presidência do BC, manteve antigos diretores por um bom tempo, nomeou depois outros piores, pôs os juros nas nuvens, ganhou aplausos de toda a comunidade financeira nacional e mundial e foi chamado de realista pela imprensa. Uma indagação aos navegantes: vale a pena aplaudir estelionatos eleitorais?
Reeleita, Dilma tem de reparar seus erros. É o caso da correção de preços administrados – derivados de petróleo e energia elétrica -, reprimidos anteriormente por interesses eleitorais. A taxa de câmbio nominal deve crescer, a menos que o governo mantenha os subsídios fiscais. Aliás, esse será um grande teste para a política econômica Levy-Barbosa: vai dar sequência à manipulação do câmbio para segurar a inflação mediante operações de venda futura de dólar (swaps), que custam caríssimo ao BC e ao Tesouro e ficam fora do Orçamento federal? Apenas no segundo semestre de 2014 (até novembro), o prejuízo nessa conta alcançou R$ 20,5 bilhões – o mesmo valor do pacote tributário ora anunciado.
Parafraseando o marqueteiro João Santana num ataque mentiroso às pretensões tucanas, o governo Dilma semeou inflação e elevou os juros. Com o aumento de 0,5 ponto ontem, a taxa subiu 1,25 ponto em três meses, o que custa a bagatela de R$ 19 bilhões/ano ao Tesouro – perto de 30% da meta de superávit primário anunciada pelo Ministério da Fazenda. O governo ainda aumentou a alíquota do IOF sobre o crédito ao consumo e elevou juros de financiamento habitacional.
Câmbio, petróleo e energia empurrarão a inflação para cima, noves fora dois fatores atenuantes, que talvez facilitem a acomodação de preços relativos: o enfraquecimento da atividade econômica e a queda dos preços internacionais de commodities.
A fim de conter a deterioração das expectativas sobre a economia brasileira, na iminência de ser rebaixada pelas agências de classificação de risco, a dupla Levy e Barbosa tem investido – até agora de forma bem-sucedida – na imagem da responsabilidade fiscal, abalada pelos números sofríveis e seguidas tentativas de maquiagem feitas até o ano passado. As ambições são moderadas: a meta de superávit primário de 1,2% do PIB para 2015 corresponde ao segundo menor porcentual desde 2000, sendo superior apenas ao de 2014, que foi zero. Como lembrou Francisco Lopes, o ajuste fiscal proposto não deve ser suficiente para estabilizar a trajetória da dívida pública líquida, que poderá saltar de 36% para 40% entre 2014 e 2019.
Neste espaço, desde 2011 procurei mostrar como o governo Dilma era inábil para administrar a difícil herança recebida de seu antecessor, de quem, aliás, ela fora estreita colaboradora. Na década passada o petismo desperdiçou uma das maiores oportunidades econômicas que o Brasil contemporâneo já teve: a notável bonança externa decorrente do crescimento exponencial dos preços de nossas exportações de matérias-primas e a disponibilidade de dinheiro externo abundante e barato.
Em vez de aproveitar essa situação para fortalecer nossa economia, o governo promoveu verdadeira farra voltada para o consumo, graças à sobrevalorização cambial mais estúpida de todas quantas houve. Depois da quebra do Lehman Brothers o BC demorou cinco meses para reduzir os juros, que já eram os mais elevados do mundo, enquanto o restante dos países derrubava rapidamente os seus. Em seguida atuou, para manter o diferencial entre o Brasil e o exterior, atraindo capitais à procura de ganhos extraordinários em curto prazo e apreciando ainda mais o real.
Assim, em vez de fomentar a competitividade da economia, investindo em infraestrutura, reduzindo o custo Brasil e incentivando as exportações de manufaturados, o petismo fez o contrário: barateou as importações e encareceu o preço externo de nossas exportações industriais. O golpe na indústria doméstica foi fatal: até hoje seu nível de produção é inferior ao de 2008; o emprego, 10% menor; a balança comercial de manufaturados, mais ou menos equilibrada em 2002, desabou para um déficit de US$ 70 bilhões em 2010 e mais de US$ 110 bilhões em 2014. Evidentemente, houve um colapso nos investimentos industriais, puxando a economia para baixo, além de elevar o déficit em conta corrente do balanço de pagamentos à inquietante vizinhança dos 4% do PIB.
Depois do quadriênio perdido, a economia entrou paralisada em 2015 e o Brasil deve assistir ao longo deste ano à marcha da estagflação galopante, com três fatores agravantes: a seca, que amplia as incertezas sobre a oferta de energia, já prejudicada pelos erros nessa área, e o escândalo do petrolão; o terceiro elemento serve de pano de fundo: não há rumo para o médio e o longo prazos. Inexiste até debate a respeito. A maior ambição do petismo, hoje, é a de um milagre: sobreviver até 2018 e tentar (re)eleger Lula. O modelo petista é um cadáver adiado que procria, como escreveu Fernando Pessoa (Dom Sebastião, Rei de Portugal). A oposição pode ir mais longe: além da vigilância, da crítica e da mobilização, tem de forçar o debate de ideias, fazer propostas, apresentar soluções. Eis uma bela e eficaz ação contra quem não tem mais nada a dizer.