Já mencionei aqui a existência de uma espécie de cláusula pétrea do petismo que consiste em empregar o máximo de palavras para expressar um mínimo de conteúdo. Quem duvida deve ler as 470 páginas da mensagem que a presidente Dilma Rousseff enviou ao Congresso. Destaque-se que, pela enésima vez, o governo fala em reforma política, agora com uma novidade: desta feita nada sugeriu – nem mesmo aquelas ideias alucinadas de plebiscito para definir forma de financiar campanhas políticas. Limitou-se a dizer que espera do Congresso a iniciativa e a materialização das propostas. Permito-me aceitar o desafio, não porque assim quer Dilma, mas porque a reforma é necessária. A questão é saber como e por onde começar.
Volto ao tema do voto distrital, projeto que apresentei depois da Constituinte. Eu era deputado federal e constatei, então, a imensa dificuldade para alterar o sistema de eleição de deputados, apesar de todos os seus defeitos, entre os quais aponto três: os elevadíssimos custos das campanhas eleitorais, o excesso de candidatos e a fraca representatividade dos parlamentares eleitos. Por que é tão difícil mudar se os defeitos são tão evidentes? Porque muitos parlamentares temem que a alteração das regras eleitorais ponha em risco a meta que lhes é mais preciosa: a reeleição.
No início da década passada, depois da eleição presidencial que perdi (2002), levantei uma hipótese nova e propus ao então líder do PSDB na Câmara, deputado Jutahy Jr. (BA), que a transformasse numa proposta de emenda constitucional (PEC). Depois da eleição de 2010 sugeri ao recém-eleito senador Aloysio Nunes (PSDB-SP) que reapresentasse essa PEC.
A ideia é promover o sistema distrital nas eleições de vereadores dos grandes municípios, os com mais de 200 mil eleitores. São 90 municípios, onde moram 38% dos eleitores. Ao trabalhar a emenda, o senador concluiu que o novo sistema poderia ser criado mediante lei ordinária. Uma PEC só seria necessária para implementar o voto distrital para deputados.
Na expectativa de que a mudança pudesse valer para as eleições de 2012, fiz uma peregrinação junto a presidentes e líderes de todos os partidos à procura de apoio. O projeto acabou não prosperando, mas a romaria foi útil: percebi não haver resistências insuperáveis a tal mudança.
A introdução no organismo político de um vírus benigno – que gera anticorpos contra o peso do poder econômico e a favor do aumento da representatividade dos eleitos – é viável e necessária. Basta mencionar que dois anos depois de cada eleição cerca de três quintos dos eleitores não lembram o nome do parlamentar em quem votaram! O que dizer, então, da cobrança de desempenho, coerência, cumprimento de promessas?
Sobre os custos de campanha, é suficiente citar um exemplo eloquente: o Município de São Paulo tem 8,8 milhões de eleitores. Nas eleições municipais de 2012 houve 1.277 candidatos, caçando votos em todos os cantos da cidade e em todos os segmentos sociais. Evidentemente, alguns deles têm fortes redutos eleitorais, mas, sob a pressão da concorrência, ninguém deixa de ultrapassar suas fronteiras. Isso aumenta imensamente o custo do voto per capita, sem falar no imenso número de postulantes.
No sistema distrital, a cidade de São Paulo seria dividida em 55 regiões eleitorais – esse é o número de vereadores da capital paulista. Cada um desses distritos, com aproximadamente 160 mil eleitores, elegeria um representante. Haveria apenas um candidato por partido, de modo que, num distrito, dificilmente se ultrapassaria o número de 10 ou 15 postulantes. Imaginem, caros leitores, a economia em matéria de gastos eleitorais. No caso das 90 cidades brasileiras com mais de 200 mil eleitores, essa economia seria da ordem de R$ 5 bilhões, segundo estimativas da nossa assessoria no Senado!
Recentemente participei de um debate no Instituto de Direito Público, dirigido pelo ministro do STF Gilmar Mendes, com o vice-presidente Michel Temer e o presidente do TSE, Dias Toffolli, figuras altamente qualificadas para tratar do tema. Por isso mesmo considerei valiosa a opinião de ambos sobre minha proposta: a introdução do voto distrital nos grandes municípios poderia ser uma experiência decisiva para testar o modelo e, paralelamente, quebraria a modorra nacional em matéria de reforma política, hoje diretamente proporcional à distância entre o tanto que se menciona o tema e o nada que se faz a respeito.
Mediante contribuições da consultoria do Senado, de ministros e ex-ministros do STF, bem como de advogados especializados em Direito Eleitoral, reelaboramos o projeto com vista, inclusive, a habilitá-lo a entrar em vigência nas eleições de 2016. Para isso tem de ser aprovado até o fim de setembro deste ano.
Todos temos convicções, pontos de vista, ideologia, afinidades eletivas, gostos. São coisas legítimas e fazem parte do jogo. Mas é preciso reconhecer que há benefícios para a sociedade que não têm coloração partidária. Baratear as campanhas eleitorais, aproximar o eleitor do eleito, permitir que a população acompanhe e avalie mais de perto o trabalho do seu parlamentar, tudo isso, convenham, compõe apenas matéria de civilização.
O PSDB não tem opinião formada a respeito. Não cheguei a avaliar, confesso, se o modelo que proponho será benéfico ou maléfico para o meu partido. Mas estou certo, isso sim, de que ele representa um grande avanço para o povo brasileiro.
Os dias andam tristes. A reputação da política e dos políticos está sujeita a mais especulação do que as ações e o futuro da Petrobrás. É preciso restaurar a dignidade dessa atividade, que é o único seguro que temos contra as ditaduras.
O voto distrital nos municípios, já em 2016, é o primeiro passo de uma restauração moral que pode dar-se alargando o espaço da democracia. Pense nisso e se engaje nesse esforço. Não é uma bandeira partidária. Não é uma bandeira ideológica. Não é um projeto de poder. Trata-se apenas de tornar mais democrática a… democracia!