O Brasil importa 75% dos adubos químicos utilizados na agricultura. E essa dependência externa, lamentavelmente, está crescendo. Em 2014 a produção nacional de fertilizantes encolheu 5,2%. Uma prova da falta de planejamento estratégico para o desenvolvimento nacional. Inexiste visão de longo prazo na política agrícola.
Adubos químicos fornecem a nutrição básica das plantas. Resumem-se na famosa composição NPK: nitrogênio, fósforo e potássio. Quem descobriu que os vegetais requerem elementos minerais para crescer foi Justus von Liebig. Aos 19 anos, o genial químico alemão apresentou, em 1822, sua tese intitulada Como os corpos minerais se relacionam com os corpos vegetais. Nela comprovava que as plantas não “comiam” matéria orgânica, conforme se pensava, mas apenas necessitavam das moléculas liberadas no húmus do solo.
A agricultura primitiva surgiu nos deltas – as várzeas dos rios –, onde as enchentes cuidam de repor a riqueza da terra. Valia apenas a fertilidade própria do solo. Quando as lavouras avançaram para as florestas, terras “gordas”, ricas em matéria orgânica, esgotavam-se e eram deixadas para descanso – o pousio –, abrindo-se novas áreas. Nesse processo, estercos animais serviram de principal fonte de nutrientes. Depósitos naturais, como dejetos de aves (guano) encontrados nas ilhas do Pacífico, na costa peruana, tornaram-se preciosos no século 19.
Após a 1.ª Guerra Mundial a indústria de fertilizantes químicos estruturou-se nos EUA e na Europa, tornando-se capaz de atender à expansão agrícola exigida pelo aumento populacional. No Brasil, somente a partir de 1950 se firmaram as empresas do ramo. E em 1974 surgiu o Programa Nacional de Fertilizantes e Calcário Agrícola, fortalecendo o setor. Resultado: no início dos anos 1980 o Brasil quase se tornou autossuficiente.
Entre 1976 e 2013, a produção brasileira de grãos expandiu-se 306%, passando de 47 milhões para 191 milhões de toneladas. Crescimento espetacular, ainda mais quando se verifica que a área cultivada aumentou apenas 51%, passando de 37 milhões para 56 milhões de hectares. Conclusão: houve uma forte elevação da produtividade física da terra, o dobro da observada, no mesmo período, na agricultura norte-americana.
O feito, sensacional, não teria ocorrido sem a intensificação no uso de NPK. Nos últimos 25 anos o consumo agrícola de fertilizantes multiplicou-se por dez, ou seja, cresceu 1.000%. Essa curva ascendente na demanda se destaca especialmente a partir de 1996, logo após a estabilização da economia. Sem a bagunça inflacionária, o crédito rural tornou-se mais eficiente. Retornaram os investimentos. Deslanchou a agricultura. Mas o País deixou de acreditar na indústria nacional, ampliando as compras de fertilizantes no exterior. Bom para as multinacionais.
Os adubos nitrogenados fabricam-se a partir de derivados do petróleo e o Brasil poderia neles ter autossuficiência. Já os fosfatados se obtêm de depósitos de rochas ricas nesse elemento. Encontradas em todo o mundo, no Brasil as maiores jazidas estão em Minas Gerais, Goiás e São Paulo, atendendo hoje a metade do consumo das lavouras. Poderia crescer. Quanto aos adubos potássicos, extraídos de rochas sedimentares, a situação é mais difícil, pois a dependência externa atinge 90%.
Por meio da Vale explora-se aqui apenas uma mina de potássio, no complexo Taquari-Vassouras, situado em Sergipe. Sabe-se existirem reservas submarinas de potássio na costa brasileira, em depósitos semelhantes aos salinos. Jamais se tentou explorá-los. Localizam-se na Amazônia, porém, as melhores possibilidades. Por debaixo da selva localiza-se, a 650 metros de profundidade, grande reserva natural de silvinita, sedimento que se espalha por vasta região entre o Amazonas e o Pará. Tais riquezas do subsolo são conhecidas há décadas e, bem exploradas, poderiam atender a até 30% da demanda nacional.
Somente agora, porém, um projeto minerador, volumoso, se executa no município de Autazes (AM). Trata-se de um empreendimento dominado pela empresa canadense Falcon, que ainda aguarda as licenças ambientais e de lavra para iniciar sua exploração, prevendo começar a venda de fertilizante em 2018. Tudo demorado.
Intrigante, contudo, é saber que essas mesmas jazidas pertenciam à Petrobrás até 2008, quando foram vendidas à multinacional do Canadá. Quem realizou o negócio foi o então presidente da Petrobrás, José Sérgio Gabrielli.
Na época, o ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, estava elaborando um “plano nacional de fertilizantes” que, lançado, jamais saiu do papel. Dilma Rousseff, então ministra de Minas e Energia, ficou sabendo a posteriori que a Petrobrás havia vendido os direitos de exploração do potássio amazônico à Falcon. “Ela deu um esporro no Gabrielli pela venda”, conta Stephanes em entrevista publicada fevereiro passado no Boletim Informativo n.º 1.290 da Federação da Agricultura do Paraná (Faep).
Hoje, depois da corrupção descoberta pela Operação Lava Jato, certos dirigentes da Petrobrás se tornaram figuras suspeitas na malversação do dinheiro público. Teria sido respeitado o interesse público nessa venda das minas de potássio da Amazônia? Qual terá sido o real motivo da bronca da Dilma no Gabrielli? Quem testemunhou essa negociação? Teve propina nesse negócio também? Eu não ponho minha mão no fogo.
Por essas e outras, a agricultura nacional, que espanta o mundo com a pujança de suas safras, padece da crescente dependência externa na compra de seus fertilizantes. Uma perda de soberania roubada pelo descaso governamental. Falta planejamento sobre o futuro do nosso país.