A tradição de avaliar um governo quando ele completa os 100 primeiros dias começou nos Estados Unidos, desde os anos de Franklin Delano Roosevelt na presidência do país. No Brasil de 2015, podemos dizer que existe uma presidente eleita e um quase presidente, que não chegou ao Palácio do Planalto por muito pouco.
Durante os 100 primeiros dias do atual governo, GQ acompanhou Aécio Neves, o candidato derrotado no ano passado e que agora tenta se firmar como a principal voz dessa população insatisfeita. Em meados de abril, já no 105º dia, o atual senador pelo estado de Minas Gerais concedeu uma entrevista exclusiva, na qual falou sobre o papel da oposição, a mudança interna de postura do PSDB e as condições do pedido de impeachment de Dilma Rousseff.
No comunicado do PSDB sobre os primeiros 100 dias de governo, o senhor define esse como um período de “grande perplexidade e intensa frustração”. A oposição também não está paralisada?
Antes, um retrospecto: a eleição de 2014 começou com um discurso da terceira via. Por algumas circunstâncias, entre elas a trágica morte do Eduardo (Campos, ex-governador de Pernambuco e candidato à Presidência pelo PSB), quando a campanha terminou, a polarização PT-PSDB estava mais viva do que nunca. A eleição fez o PSDB se reconectar com setores da sociedade que ele havia perdido. Como a frustração dos eleitores dela (a presidente Dilma Rousseff) e a indignação dos eleitores nossos com o atual governo é enorme, nós, o outro polo da campanha, estamos agora com uma conexão maior com os eleitores.
Líderes dos movimentos das ruas, porém, são enfáticos ao dizer que a oposição não está aparecendo. Nas passeatas em São Paulo, por exemplo, havia cartazes e gritos de “Cadê o Aécio?”. Portanto, minha pergunta é: cadê o Aécio?
É preciso deixar que as pessoas se manifestem. Eu estou aqui no combate diário, me coloquei de corpo e alma no enfrentamento a esse governo. E não a partir de 15 de março: eu enfrento o PT há 30 anos. Recebi críticas por não ter participado das passeatas, mas certamente também teria sido criticado se tivesse ido porque pareceria uma decisão oportunista. A minha escolha foi correta.
Essa foi uma decisão sua? Muita gente do partido não enxergava dessa forma.
Sim, foi uma leitura muito pessoal. Quanto mais essas manifestações partirem da sociedade, mais apartidárias forem, mais legítimas e mais sólidas elas serão. Mas chegou um momento em que o Congresso tem de canalizar essas reivindicações, dar rumo às discussões, porque senão as pessoas vão se cansando. As demandas dos movimentos precisam de uma canalização, de um encaminhamento – e quem estava aqui para acolher essas reivindicações era a oposição.
Mas por que a crítica de que a oposição está retraída, mesmo com um governo tão mal avaliado?
Eu reconheço esse sentimento, mas em parte ele não é justo. É uma falta de compreensão do papel da oposição no Congresso. Nós não temos o controle de nenhuma das duas casas. Portanto, nós não temos o controle da agenda da Câmara nem do Senado. Como somos minoria nas duas casas, também não temos controle das Comissões Parlamentares de Inquérito nem das demais comissões em que a agenda se estabelece. Nós temos dificuldade de interferir na pauta legislativa. Mas nós temos como fazer política. E o que eu percebo é que parece ter sido a oposição a vencer a eleição porque a base do governo parece acovardada. Eu vejo gente do PT muito envergonhada, sem saber como defender o governo. Outro dia eu discursei sobre as acusações graves contra o governo relacionadas à CGU. Não houve uma voz do PT a se levantar. Antigamente, eu citava o nome da presidente e apareciam quatro ou cinco no microfone, brigando na unha para ver quem retrucava primeiro.
Sobre prioridades, o senhor falou, por exemplo, da necessidade de apoio para as assinaturas para a criação das CPIs. Isso é mais importante que as discussões sobre pedido de impeachment? Há condições hoje para se pedir o impeachment da presidente?
São coisas que caminham paralelamente e se conectam em algum momento. A agenda de investigações pode ajudar a gerar o fato jurídico necessário para viabilizar o processo de afastamento. O que existe de concreto é que subimos um degrau – por causa dos movimentos e das denúncias sucessivas contra o governo.
Um dos seus momentos de maior veemência nesses 100 dias foi o bate-boca com o presidente Renan Calheiros pela composição da mesa do Senado. Um mês depois da discussão, o senhor o elogiou. Por que a mudança?
O principal instrumento que as minorias têm é o regimento, é o respeito à regra da proporcionalidade. Quando eles fizeram aquela manobra, deram sinal de que essa mesma estratégia poderia ser levada às comissões. Aquele embate foi vital para que nas outras definições de espaço não ocorresse o cerceamento da voz da oposição. Eu voltei a falar com ele (Renan) quando foi devolvida a medida provisória (que tratava de desoneração da folha de pagamento). Como ele pediu desculpas em público – até por saber que não estava com a razão -, eu reconheci, e falei que ali, sim, ele agia como presidente da instituição, e não como representante da base do governo.
Parte da oposição enxergou no gesto um passo atrás no tom do enfrentamento.
Eu não vejo dessa forma. Nós cumprimos nosso papel. O que é o parlamento? É o lugar em que você parlamenta, discute. Não é um ringue. Nas questões graves, equivocadas, nós combatemos. No momento em que ele fere um direito básico da oposição, nós aumentamos o tom do embate. Mas nós não vamos deixar de conversar. Também não quer dizer que eu seja aliado dele.
O PSDB é conhecido por ter muita discordância interna, não dançar a mesma música. Criou-se até a expressão “tucanos não se bicam” para definir esse embate. Isso mudou?
Isso mudou um pouco nessa campanha, até mesmo por causa do forte engajamento e o grande resultado que tivemos em São Paulo. Hoje o partido compreende que ou dançamos no mesmo compasso, para usar a expressão sobre Tancredo e Ulysses, ou vamos ficar batendo cabeça. E não vamos sair do lugar.
Mas mudou como?
Isso aconteceu com naturalidade. A minha candidatura foi natural, inclusive com o apoio importantíssimo de lideranças de São Paulo. O ótimo resultado no estado apaziguou a disputa que existia. O PSDB vive hoje seu melhor momento do ponto de vista da unidade interna. Você não vê briga. O resgate da figura do Fernando Henrique (Cardoso, ex-presidente) como uma espécie de interlocutor sênior foi muito importante. Às vezes, no início de uma crise, a figura dele, que tem muita autoridade sobre todos, ajuda a dissipar conflitos.
O senhor falou da força do resultado do PSDB em São Paulo. Mas Minas Gerais, o seu estado, foi determinante em sua derrota na eleição presidencial. O senhor está preocupado em se reaproximar do eleitor de lá?
Existe uma grande preocupação, sim. A partir de maio, teremos agenda no estado pelo menos uma vez por mês, quando iremos a duas ou três cidades para reorganizar nossa relação. Nós estamos trabalhando para ter candidatura única das oposições nas 30 maiores cidades de Minas para enfrentar o PT.
Quais os caminhos da oposição nos próximos meses?
Para a oposição, é o melhor momento desde que o PT chegou ao poder. Eu hoje sou muito mais assediado do que era na campanha eleitoral.
*Entrevista concedida à revista GQ Brasil, edição de Maio de 2015