Dilma, o governo e o PT se animaram ontem com as decisões (provisórias) do STF relativas aos trâmites do impeachment no Congresso. Algo inebriada por um triunfo parcial, a presidente se encheu de confiança e protagonizou um discurso classificado pela imprensa como “um dos mais duros” que já proferiu. Pena que sua retórica não corresponda aos fatos.
No ambiente controlado montado pela CUT – num palanque ao ar livre talvez ela não tivesse a cara dura de falar o que falou – a presidente disse que dispõe de “reputação ilibada” e não responde a “acusação de crime algum”. Conclamou seus chapas a “defender a legalidade” de ataques que seriam “golpismo”. Parecia que estava falando de outro país, de outro mandatário. No Brasil e no governo dela, tudo é o contrário do que afirmou.
Há carradas de razão para que o processo que pode resultar no afastamento de Dilma do cargo para o qual foi reeleita prossiga e chegue a bom termo, sempre dentro dos limites da Constituição. A eleição e os 54 milhões de votos que a petista obteve em outubro de 2014 não podem servir de salvo-conduto para o que der e vier, de passaporte para o vale-tudo que ela e o PT julgam-se autorizados a promover. Dilma, no entanto, acha que assim é.
A legitimidade do mandato se renova, ou não, a cada dia. E, no caso da atual presidente, desde que, há quase um ano, as urnas lhe deram mais quatro anos de mandato, a vontade popular expressa no voto tem sido solapada pelas práticas de seu governo. Não foi só no mandato anterior, não foram meras “questões administrativas”, como ela alega. Continua acontecendo, aqui e agora. É todo um desgoverno que está sob escrutínio.
Dilma tem, sim, variadas razões para sofrer impeachment. Sinteticamente: porque teve sua campanha irrigada por dinheiro sujo da corrupção; porque abusou da máquina pública para massacrar adversários; porque usou dinheiro público para enganar a população e maquiar uma situação que já não existia de fato. Venceu, portanto, na base da fraude e da empulhação.
Em primeiro lugar, usou-se um dinheiro que não existia para falsear a garantia de continuidade de programas sociais e políticas de crédito. Tanto a prática era mal intencionada que, tão logo transcorrida a eleição, todas as iniciativas foram limadas em maior ou menor grau, inclusive o Bolsa Família e o Minha Casa Minha Vida. Em casos extremos, foram mesmo implodidas, como o Farmácia Popular e o Minha Casa Melhor.
Em segundo lugar, ao abusar de dinheiro que não tinha, o governo gerou um rombo nas contas públicas que os brasileiros estão sendo chamados a pagar, principalmente, por meio do aumento de impostos e alta de tarifas públicas – luz, gasolina, gás de cozinha, tudo ficou muito mais caro depois da eleição.
Em terceiro, os brasileiros também já estão pagando pela lambança no trato do dinheiro público sob a forma de preços mais altos nos supermercados, ou seja, da inflação decorrente da incapacidade do governo de controlar a escalada da carestia por meio dos instrumentos monetários e fiscais de que dispõe.
Este mesmo avanço do governo num dinheiro que não existia explica os juros mais altos – foram sete altas consecutivas, a primeira delas três dias depois da eleição – e a dificuldade que o brasileiro encontra para pagar dívidas, agruras enfrentadas por parcelas cada vez maiores da população.
Por fim, quando lançou sua mão gatuna num dinheiro que não podia ser gasto, porque não estava disponível no Orçamento aprovado pela sociedade brasileiras, o governo plantou as sementes da crise econômica, semeou a desconfiança entre os agentes econômicos e colheu desemprego. Em síntese, instalou a recessão e a carestia que ora nos assombra.
Como se não bastasse, a ruína em progresso patrocinada por Dilma e pelo PT não se ateve aos anos passados. Avança também sobre o exercício corrente, com novas investidas sobre o dinheiro de bancos públicos e novas canetadas ao arrepio da lei, por parte da presidente, para liberar mais dinheiro para a gastança que o governo dela simplesmente não consegue controlar. A conta fica para eu, você, nós pagarmos.
É bem possível que Dilma tenha ido longe demais com seu discurso de ontem. Seu entusiasmo denuncia ações articuladas do governo para dar uma nova narrativa ao que, em português corrente, chama-se simplesmente ilegalidade, irregularidade, imoralidade. Mas quem, no PT, se importa? Para eles, continua a prevalecer, sempre, a versão, nunca os fatos. Para azar da presidente, contudo, para os brasileiros o que conta é a realidade e não a ficção.