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A lição da Paraolimpíada

Aos sete anos, Tao Zheng sofreu um choque elétrico e perdeu os dois braços. Nascido em Kunming, na China, passou 13 anos sem saber ler e escrever, pois foi proibido de frequentar as escolas da província. Começou a nadar na adolescência como um escape à exclusão. Hoje, aos 25, é recordista mundial e conquistou o ouro na Paraolimpíada do Rio ao nadar os 100m costas.

Zheng provoca a todos nós. A cada pernada, o chinês desconstrói pensamentos preconcebidos ou qualquer impressão que possa ser criada sobre suas aparentes desvantagens.

Escancarar ao mundo a potência de qualquer atleta com deficiência tem um efeito quase subversivo. Suprime nossa arrogância de acreditar que somos capazes de mensurar a capacidade do outro, provocando um pensamento para além do espectro esportivo. Amplia nosso olhar para possibilidades -as nossas, inclusive.

Durante duas semanas de Paraolimpíada, nosso país teve a honra de conhecer pessoas que superaram a deficiência, a pobreza, o preconceito e o medo do fracasso. Elas chegaram ao Rio e conquistaram pódios, encheram ginásios, emocionaram. Movimentaram as redes sociais sobre a falta de transmissão do evento em TV aberta.

Passamos a acreditar, naquela espécie de ilha inclusiva que era a Vila Paraolímpica, que outros lugares deveriam ser acessíveis, que a convivência com a diversidade é enriquecedora quando extrapola a margem da sociedade. Entendemos na prática que barreiras só existem porque as cidades, elas sim, são deficientes.

Aliás, desde a década de 1990, a capital fluminense não passava por uma intervenção urbanística de grande porte, com padronização de calçadas, rampas e piso tátil. Uma inspiração para que as capitais brasileiras adotem o desenho universal, conceito aplicado a espaços e serviços a serem utilizados por qualquer pessoa. Algo que há décadas ocorre no Japão e em Londres, por exemplo.

Em 1997, após voltar de um processo de reabilitação nos EUA, sem mexer braços e pernas, passei a encarar um Brasil sem acessos. Decidi fundar uma ONG para apoiar atletas com deficiência que passavam o dia todo a treinar em locais que garantissem a eles um prato de comida.

Hoje o projeto Próximo Passo, do Instituto Mara Gabrilli, apoia 31 esportistas que colecionam vitórias. Alguns deles, você, leitor, teve a oportunidade de conhecer nesta Paraolimpíada do Rio. Quantas crianças com deficiência não serão inspiradas por esses atletas? Quantas não poderiam nadar como um Daniel Dias ou correr como um Odair Santos?

Não restam dúvidas de que o esporte é uma das maiores ferramentas de inclusão que uma nação pode oferecer. As outras são educação, cultura e trabalho. Temos a chance de tirar do ciclo de invisibilidade mais de 45 milhões de brasileiros com deficiência que vivem à margem de uma das piores políticas de reabilitação do mundo, sem acesso a escolas ou a equipamentos culturais adequados.

Temos a oportunidade de formar uma nova mentalidade, mais humana, inovadora. Nesta quarta-feira (21), Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência, proponho tal reflexão inspirada em nossos para-atletas. O que você aprendeu com esta Paraolimpíada? Por que não podemos acreditar que alguém sem os braços é capaz de nadar tão rápido?

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