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Agricultura como exercício da política

Ano agrícola 2011-2012 inicia-se com nova safra de planos populistas para agropecuária brasileira

*José Sidnei Gonçalves 

 Novos planos de safras com velhos desenhos

O Governo Federal anunciou uma nova safra de planos para a agricultura brasileira, uns com tons menos explícitos com as medidas inseridas no Plano “Brasil sem Misérias” outros mais explícitos como o Plano Agrícola e Pecuário 2011/2012 (PAP 2011-2012).

O Brasil sem Miséria foca a ação governamental direta na zona rural, quadruplicando os agropecuaristas atendidos pelo Programa de Aquisição de Alimentos (PAA).  E contratando um exército de técnicos com intervenção de organizações não governamentais, um dos instrumentos da inclusão produtiva rural consiste no fornecimento de assistência técnica individualizada e continuada de 253 mil famílias.

Para acompanhar os agricultores, haverá uma equipe de 11 técnicos para cada mil famílias.

Nesse Programa, cada família receberá a título de fomento o valor de  R$ 2,4 mil por família, ao longo de dois anos, para apoiar o aumento da produção e a comercialização excedente dos alimentos. O pagamento será efetuado por meio do cartão do  Bolsa Família. Além disso, essas famílias receberão insumos (sementes, adubos, fertilizantes, entre outros).  Para o maior contingente de agropecuaristas realiza-se uma ação federal decisiva reforçando os laços de relação política já existente.

Nada verificou-se de consistente em críticas ao Plano “Brasil sem Misérias” na sua parcela voltada para a agricultura, certamente em decorrência do fato da força eleitoral demonstrada pelas políticas sociais compensatórias no último pleito presidencial, numa tônica quase que circunscrita à discussão da paternidade dessas políticas. E criticar programas sociais voltados para combate da  pobreza de origem rural que multiplica-se como crônica e de indiscutível existência, pode soar politicamente incorreto. 

Mesmo porque poucos se aventurarão ao debate, seja pelos resquícios de uma leitura elitista de pronto descartada pela notória ocorrência de concentração dramática de pobreza no campo, em especial no Nordeste, ou ainda pela inexistência de consistentes análises  dos efeitos dos programas sociais no campo, já que tal como as políticas para a “assim chamada grande agricultura” ,  a maioria dos estudos que focam as políticas  para a “assim chamada agricultura familiar”, salvo poucas e honrosas exceções, trilham para apresentação de indicadores laudatórios dos efeitos sem senso crítico.   

No tocante ao PAP 2011-2012, as análises técnicas certamente pontuarão questões de interesse setoriais, como as maiores dificuldades para acesso ao crédito pela burocracia e pelas garantias exigidas e que a unificação do limite de custeio, em R$ 650 mil por tomador, independentemente da cultura, se mostra limitante numa agropecuária centrada em lavouras de escala. 

Essas críticas com certeza tem relevância mas configuram tão somente uma visão da aparência dessas medidas não permitindo desvelar a essência das políticas que lhes dão sustentação. Isso revela a pobreza do debate setorial em questão, estando ausentes os elementos construtores de concepção avançada de políticas públicas setoriais. O próprio debate eleitoral de 2010 reduziu-se a posicionamentos sobre o Código Florestal e a Dívida Rural, também de forma superficial.

Sobre o Código Florestal as postulações ao invés de focarem na necessidade de segurança jurídica construtora das condições essenciais ao investimento e com isso da geração de empregos, caíram na superficialidade dos rótulos pelos quais quem se posicionava contra os absurdos das disposições da Medida Provisória (tornada eterna) 2166-67 de 2001 para os espaços de agropecuária consolidada eram taxados de defensores de desmatadores e quem estava a favor eram considerados defensores da vida. 

Defendeu-se isso como “politicamente correto” buscando ganhar simpatias de acreana derrotada pelo próprio “povo da floresta” onde nasceu. Essa defesa foi feita como se existisse vida sem comida e  como se toda comida produzisse em árvores. Veio a votação na Câmara Federal do Novo Código Florestal que pela pressão setorial foi aprovado sob uma saraivada de falsas análises científicas. O que interessa para nós paulistas é que aqui o do Novo Código Florestal não vai desmatar, ao contrário vai ampliar a vegetação nativa, e não existem desmatadores a anistiar. Espera-se que o Senado mantenha o essencial dessa conquista. 

E a dívida rural? Varrida para debaixo do tapete. 

E a dívida rural acumulada? Porque continua “varrida para debaixo do tapete” da discussão das políticas setoriais? Aí deve-se voltar à análise da pobreza do debate setorial.

Desde logo, como mostrou a questão do Novo Código Florestal, as questões da agricultura são essencialmente questões políticas e as soluções  somente poderão ser obtidas no plano da militância política.

 Até a solução para a ocupação dos cargos das instâncias públicas de decisão das políticas para a agricultura pontificam a “primazia das escolhas de técnicos” numa  postulação equivocada. Parafraseando a máxima do maior dos filósofos alemães “os técnicos já pensaram a política para agricultura. Cabe-nos implantá-la“.  E essa decisão revela-se essencialmente política e apenas políticos podem torná-la efetiva.

Voltando à analise política dos planos federais para a agricultura concentre-se em desvelar a essência das medidas governamentais. A citada dívida rural configura-se como filha direta da prática populista que norteia as políticas para a agricultura. Tanto assim que em 2010, ano especial para a manifestação dessa forma de governar pela ocorrência de pleitos eleitorais, várias renegociações distribuindo benesses aos tomadores foram efetivadas. 

Os preços elevados da maioria dos produtos agropecuários no mercado internacional retiram a dívida rural da agenda imediata das políticas para agricultura, não que tenha sido produzida solução para o problema, mas em função de que, com as renegociações realizadas, e com os agropecuaristas com preços remuneradores podendo honrar os compromissos vigentes, posterga-se  a fase crítica da questão. A inundação dos recursos fartos no  ao PAP 2011-2012 deixarão menos visível a imensidão do iceberg da dívida rural que se avoluma e se desloca concomitante com as supersafras de grãos e fibras. 

A conjuntura esconde a estrutura, uma vez que os preços internacionais das commodities agropecuárias, mesmo numa realidade de câmbio valorizado, permitirão com certeza mais uma supersafra em 2011-2012. Isso com as graças de São Pedro. Pois se esse santo esvair-se em sono profundo com ocorrência de “la niña” a situação pode ficar dramática. Simplesmente porque as disposições do  PAP 2011-2012 para o seguro rural são  claramente insuficientes e inconsistentes. 

Trata-se de questão política crucial  agendar  esse debate crucial para agricultura. Desde logo porque a produção agropecuária responde a preços e numa agricultura exportadora de uma economia globalizada os preços decorrem do câmbio, que sobrevalorizado se manifesta remunerador pelo patamar elevado dos preços internacionais de commodities. Assim, ampliam-se as vendas externas de soja para chineses e o açúcar brasileiro continua a adoçar o mundo pela quebra de safra indiana. 

E a valorização cambial? retrocesso ao discurso primário-exportador?

E a agricultura de São Paulo? A agricultura paulista que se configura agroindustrial-exportadora  sofre duramente a valorização do câmbio que reduz a competitividade da agroindústria estadual. Os preços internacionais elevados dos produtos primários da agropecuária (commodities) não são acompanhados pelos produtos agroindustriais. E parcela expressiva da indústria paulista perde competitividade. E a esmagadora maioria dos “técnicos” especializados na agricultura não assumem de forma crítica o debate do câmbio.

 Ao contrário. Em recente seminário para debate da economia da agricultura realizado em São Paulo ouviu-se mesmo a defesa irrestrita da lógica primário-exportadora.  Apenas alguns com visão política mais consistente tiveram a ousadia de remar contra a maré do ufanismo setorial. Desculpem os técnicos mas se trata de decisão política a questão cambial esposada por aqueles de visão de País que vislumbram  para mais além de postulações ruralistas anacrônicas. E  numa sociedade urbanizada, a maioria expressiva não vive da economia rural.

O Brasil não pode abrir mão de sua condição de nação industrial construída pelo esforço secular dos capitalistas paulistas que forjaram as raízes da concentração industrial em São Paulo e, com isso, alteraram  para sempre a dinâmica econômica que responde ao investimento. Desculpem-me os técnicos mas a agropecuária sozinha não dá conta do desenvolvimento econômico. 

Afinal a maior renda por unidade de área das regiões paulistas dá-se nos bananais do Vale do Ribeira, que consiste no dobro da obtida nos canaviais de Ribeirão Preto. E o Vale do Ribeira concentra baixo desenvolvimento humano e Ribeirão Preto elevados padrões de desenvolvimento. O que explica a riqueza econômica de Ribeirão Preto  consiste na força da multiplicação da renda agropecuária pelas suas agroindústrias.

Perdoem-me os técnicos mas não faz sentido resgatar teorias ricardianas das  vantagens comparativas para sustentar essas análises absurdas da ótica de uma nação que tomou a decisão política de realizar intensos processos de industrialização. Querer argumentar a favor da desindustrialização como produto da ordem natural em nas terras de São Paulo consiste numa heresia inadmissível.

Tudo bem. Porque não aprofundam a análise superficial das supersafras de grãos e fibras discutindo a essência da ocupação dos cerrados com lavouras insumo-intensivas sustentadas em guerra fiscal. E que junto com a propalada recuperação de pastagens degradadas bem como o aumento da produtividade da lavouras implica necessariamente na importação de fertilizantes. E que dos fertilizantes,  à exceção do nitrogênio (que pode ser produzido a partir do petróleo), o Brasil compra no exterior potássio e fósforo. 

E que o Brasil importa mais de três quartos dos fertilizantes que consome. Sem contar a compra de moléculas da química fina da agroindústria de outros agroquímicos.  E que desde os investimentos nas plantas industriais de fertilizantes e agroquímicos do II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND) não ocorreu investimento de fôlego nesse segmento crucial da agricultura moderna. Afinal, porque não assumir que o álcool consiste num combustível parcialmente renovável pois a sua matéria prima depende dos estoques de reservas também fósseis de potássio e fósforo? 

Planos de safras com mais recursos. E dinheiro mais caro. E sem seguro. 

Esse populismo ufanista das supersafras de grãos e fibras torna pobre o debate das políticas para agricultura. E as autoridades governamentais surfam na onda da oportunidade. Acendem uma vela a Deus outra ao Diabo.  No Código Florestal falam em veto a reconhecimento do direito adquirido de áreas consolidadas a séculos de ocupação. Nos Planos de Safras oferecem volumes de recursos expressivos como “nunca antes na história deste País”. 

Mas estabelecem um teto baixo para esse vôo setorial (R$ 650 mil por tomador). E o eficiente empreendedor das lavouras de escala deve complementar sua necessidade de recursos obtendo-os no mercado, nas várias formas de venda antecipadas lastreadas em títulos financeiros de execução extra-judicial (Cédula de Produto Rural (CPR), Certificado de Direitos Creditórios do Agronegócio (CDCA), Letra de Crédito do Agronegócio (LCA), etc)  que financiam as compras de insumos, dentre outras operações de custeio. Ora, isso significa necessariamente em dinheiro mais caro pois a mobilização desses recursos se dará sob a égide do mercado financeiro impactado pelas recentes elevações da taxa básica de juros realizadas pelo Banco Central. 

Logo, “reza demais o santo desconfia” dizia meu velho avô agricultor. As estatísticas de oferta de dinheiro para a safra vão ilustrar as palestras de autoridades federais para demonstrar a consistência das políticas governamentais para a agricultura. Mas o agropecuarista deve consultar seu santo para saber o que ele indica. E seu santo predileto consiste em São Pedro, gestor do movimentos climáticos. 

E deve redobrar-se em novenas para São Pedro porque dele dependerá a sua condição econômica na colheita da safra que irá plantar no começo do próximo ano agrícola. Isso porque se depender do seguro rural estará perdido. Como a política de crédito rural e preços mínimos que surgiu em São Paulo nos anos 1950 e ganhou o Brasil após 1965, também a subvenção do seguro rural nasceu aqui com base na Lei Estadual n° 11.244/2002. A subvenção federal veio depois com a  Lei Federal n° 10.823/2003.  A lógica dessas leis era caminhar para uma política de garantia de renda na agropecuária.

O agropecuarista paulista com a aplicação concomitante das duas leis paga apenas um quarto do custo do seguro rural. Mas essa vantagem não vem sendo obtida tendo em vista que o Governo Federal vem aplicando sucessivos calotes no pagamento das subvenções às seguradoras. Em 2009 foram R$ 90 milhões saldados apenas no exercício seguinte. Em 2010 foram R$ 160 milhões com promessa de pagamento neste exercício de 2011. E ainda não estão disponíveis os valores necessários para cobrir todo o valor necessário para 2011. 

A credibilidade do sistema está seriamente arranhada e nada no PAP 2011-2012 garante que novos calotes não vão ser dados. E o objetivo de garantia de estabilidade de renda na agropecuária? Foi abandonado. A Resolução nº 22, de 30 de dezembro de 2009 do Comitê Gestor Interministerial do Seguro Rural (CGSR) aprovou o Plano Trienal do Seguro Rural – PTSR do Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural para o período de 2010 a 2012. E não mais essa subvenção terá como um dos seus objetivos “assegurar o papel do seguro rural como instrumento para a estabilidade da renda agropecuária” como determina a Lei Federal 10.823/2003 mas apenas “ assegurar o papel do seguro rural como mitigador dos efeitos dos riscos climáticos das atividades agropecuárias” num retrocesso às praticas paulistas do seguro contra granizo dos anos 1930.

 

Esse retrocesso tem passado impune pelo crivo dos “técnicos”. Ora, trata-se da essência da visão populista de políticas públicas para a agricultura a manutenção da “fidelidade da clientela”.  Uma política consistente de garantia da renda agropecuária com subvenção adequada do prêmio do seguro rural libertaria o agropecuarista dos grilhões populistas. Isso como fazem nações líderes como os Estados Unidos que cobrem até 90% dos custos da contratação do seguro rural, que além de eventos climáticos  também cobrem problemas fitossanitários  – como as executadas em São Paulo para o  pomar citrícola e programadas como sanidade avícola e da viticultura – e de seguro de preços – subvenção do prêmio do contrato de opção-.

E mais, os “subsídios implícitos” nas equalizações de juros dos programas oficiais de crédito rural somam em média R$ 4,3 bilhões anuais, mais que duas vezes o orçamento da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA). E uma subvenção econômica adequada do prêmio do seguro rural, na amplitude necessária à garantia de renda na agropecuária não custaria mais que a metade desse montante. Mas para opções populistas a manutenção dos grilhões de dependência dos agropecuaristas se mostra crucial para manutenção do poder político. Para a agricultura vale ainda a máxima de Tiradentes “liberdade ainda que tardia”, rompendo com o populismo que marca a política para agricultura.   Me perdoem mais uma vez os “técnicos” mas as soluções para os problemas da agricultura estão todas na órbita da Política.    


José Sidnei é Engenheiro Agrônomo, Doutor em Ciências Econômicas e Pesquisador Científico do Instituto de Economia Agrícola (IEA) da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (APTA). Fundador do PSDB e atual Presidente do Diretório Zonal da Saúde na Capital (SP).

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