Por José Serra
A precariedade dos serviços de saneamento básico no Brasil, amplamente reconhecida, contrasta fortemente com a realidade das políticas públicas voltadas para o setor. A modesta meta de atingirmos em 2033 a universalização desses serviços exigiria investimentos de R$ 15 bilhões por ano. Mas os investimentos médios realizados nos últimos anos equivalem a cerca de dois terços desse montante. No biênio 2015-2016 essa proporção se tornou ainda menor.
Acredite, se quiser: o fator isolado mais importante para explicar essas diferenças foi o aumento da tributação do PIS e da Cofins sobre os serviços de saneamento, realizado no início do primeiro governo do presidente Lula. Esses dois tributos tinham como base o faturamento das empresas de toda a economia, mas a partir de 2003 passaram a incidir sobre o valor adicionado de cada uma delas, ou seja, houve mudança de um regime cumulativo de tributação para um regime não cumulativo. Por incrível que pareça, dadas as peculiaridades da função de produção do saneamento, tal mudança trouxe um aumento real de 188% do PIS-Cofins recolhido pelo setor.
O choque financeiro somou-se à ineficiência governamental – falta de diretrizes claras e muita burocracia na aprovação de iniciativas estaduais e municipais. Na década passada, para citar um exemplo, projetos do governo de São Paulo levaram dois anos para ser aprovados por Brasília! O resultado? A velocidade do acesso aos serviços plenos de saneamento caiu de 14%, entre 1991 e 2000, para 7% na década seguinte, entre 2001 e 2010.
Estes são dados já difundidos, mas nunca de modo suficiente: a média nacional de população atendida pela coleta de esgotos é de apenas 50%. Mais ainda, apenas 43% dos esgotos coletados são tratados. Na Região Norte essa proporção se reduz a 16%! No agregado, a coleta de esgotos, seguida do seu tratamento, beneficia menos de um quarto da população brasileira.
Os efeitos dessa situação sobre a saúde das pessoas são previsíveis. Estimativas do Instituto Trata Brasil apontam que 340 mil internações anuais são causadas por infecções decorrentes da falta de saneamento básico. Entre as dez cidades brasileiras onde há menor cobertura, a média de internações é quatro vezes maior do que entre as dez cidades mais bem atendidas!
Milhares de mortes ocorrem como consequência dessas enfermidades. Além do custo em vidas e recursos médicos, a carência do saneamento básico no Brasil aumenta a frequência dos afastamentos do trabalho, reduz a produtividade da economia, desincentiva o surgimento de atividades econômicas nas áreas mais afetadas das cidades, afasta o turismo e deprime em 20% o preço dos imóveis dos mais pobres. Os impactos ambientais negativos são conhecidos, começando pela poluição e morte dos rios nos maiores centros urbanos.
Com o propósito de promover a necessária elevação dos investimentos na área de água e saneamento, já no início do meu atual mandato no Senado apresentei um projeto de lei criando o Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento do Saneamento Básico (Reisb). Em essência, esse projeto estabelece a possibilidade de que o PIS-Cofins devido pelo setor possa ser utilizado para financiar investimentos adicionais de cada uma das companhias de água e esgoto. Ou seja, em vez de tributos, investimentos na expansão dos serviços, incluindo a melhora da produtividade das diferentes ações, como seria o caso típico das perdas de água, estimadas em mais de um terço do faturamento do volume tratado.
Mais ainda, o Reisb estabeleceu critérios para garantir o alcance de sua finalidade principal: o abatimento do PIS-Cofins terá valores anuais que correspondem à diferença entre os novos investimentos totais e a média dos investimentos que cada companhia promoveu nos cinco anos anteriores. Ou seja, uma empresa de saneamento que investiu, no último quinquênio, R$ 50 milhões por ano só terá direito a crédito do PIS-Cofins para investimentos que superarem esse valor nos próximos anos. O custo máximo da renúncia fiscal decorrente da implantação dessa política seria modesto – R$ 2,5 bilhões por ano – quando comparado com seus benefícios sociais e econômicos.
Esse projeto foi aprovado no Senado e na Câmara dos Deputados e sancionado pelo presidente da República, mas com veto parcial, que eliminou precisamente o dispositivo que disciplinava a renúncia fiscal. Com isso o Reisb perdeu sua função primordial.
Na época da aprovação pelo Congresso e do veto parcial do governo, eu integrava o Ministério do presidente Michel Temer. Após meu regresso ao Senado, no início deste ano, apresentei novo projeto, aperfeiçoando o anterior e restabelecendo as condições do Reisb.
Note-se que o prazo estabelecido para a renúncia fiscal é de cinco anos. Somando tudo, o custo fiscal potencial seria de R$ 12,5 bilhões (sempre a preços de dezembro de 2015). Mas, por outro lado, é preciso levar em conta que os maiores investimentos na cadeia produtiva gerariam arrecadação adicional, estimada em R$ 3,5 bilhões no quinquênio. O aumento da cobertura de água e esgoto proporcionado por tais investimentos também elevaria a receita fiscal. E outros ganhos viriam mediante externalidades do tipo valorização de imóveis urbanos, economias nos gastos públicos e familiares com saúde e menores taxas de absenteísmo dos trabalhadores.
Isso tudo somente para sublinhar os efeitos econômicos dos maiores incentivos à promoção do saneamento básico, sem levar em conta os efeitos sociais altamente positivos, como a redução da mortalidade infantil e a melhora do aproveitamento escolar das crianças, pois as que são expostas às doenças estão sujeitas a menores níveis de aprendizagem. Em relação aos trabalhadores adultos, haverá maiores níveis de remuneração, em face da diminuição do absenteísmo e das melhores condições gerais de saúde.
*Senador (PSDB-SP)