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Caminho seguro ao agravamento da crise

Já se foi o tempo de conivência com o arbítrio na Venezuela. O governo brasileiro repudiou a decisão de convocar uma Assembleia Constituinte à revelia do direito ao sufrágio universal.

A designação é enganosa, pois a “eleição” deste domingo (30) -feita sem os líderes oposicionistas, presos ou barrados, e desenhada para impor a escolha de prepostos do regime- lembra o corporativismo protofascista, em voga nos anos 1930, e os senadores biônicos do regime militar no Brasil.

Esse casuísmo escancara a intenção de Nicolás Maduro de se perpetuar no poder. Sem falar da confusão jurídica: o país passa a ter duas ordens constitucionais e vive, portanto, um quadro de anomia.

A manobra foi amplamente rejeitada no plebiscito de 16 de julho passado, convocado pela Assembleia Nacional, esta sim legitimamente eleita em dezembro de 2015, conforme a Constituição em vigor, que o próprio Hugo Chávez ostentava como modelar.

A exemplo do Brasil, outras grandes nações democráticas, também preocupadas com o potencial desestabilizador da iniciativa, condenam essa Constituinte.

É lamentável que o governo Maduro continue cego e surdo aos apelos internacionais por um verdadeiro diálogo, que permita a redemocratização, com espaço para todos, inclusive o chavismo.

Os venezuelanos estão privados de liberdades públicas, da liberdade de imprensa, do devido processo legal, da tutela jurisdicional, da autonomia do organismo eleitoral e dos princípios basilares da independência e do controle recíproco dos Poderes.

Causa indignação o custo do autoritarismo em vidas humanas. O saldo da repressão às manifestações já é de mais de cem mortes e de milhares de feridos.

A isso cabe acrescentar a degradação do quadro social. A crise humanitária priva três quartos da população venezuelana de medicamentos básicos, carência que o Brasil buscou ajudar a suprir, mas sem acolhida das autoridades em Caracas.

Pesquisas de universidades locais apontam que mais de 80% dos venezuelanos encontram-se abaixo do nível de pobreza, 20% a mais do que no início do chavismo.

A gravidade do momento exige o apoio das democracias do continente a uma saída pacífica. Sabemos no Brasil quão importante foi a institucionalização da convivência democrática, na sequência de mecanismos de transição negociada.

A história nos autoriza a reclamar do governo Maduro disposição para pactar com a oposição os termos de uma transição que contemple a libertação dos presos políticos, a restauração das competências da Assembleia Nacional e a definição de um calendário eleitoral segundo os ditames da Constituição de 1999.

Na recém-concluída Cúpula em Mendoza, que inaugurou o exercício, pelo Brasil, da presidência temporária do Mercosul, os Estados fundadores do bloco, depois de constatada a ruptura da ordem democrática, convidaram o governo venezuelano, como requer o Protocolo de Ushuaia, para consultas em Brasília sobre o restabelecimento da democracia.

A realização ou não dessas consultas definirá os passos seguintes de aplicação da cláusula democrática. No Conselho Permanente da OEA, estamos atentos à evolução do quadro no país vizinho.

Confiamos que a Venezuela logo reassumirá suas credenciais democráticas, para o bem de seu povo e de toda a América Latina.

Que sua gente saiba que contará com o Brasil para a reconstrução do país e o pleno aproveitamento das imensas potencialidades do relacionamento bilateral.

ALOYSIO NUNES FERREIRA é ministro das Relações Exteriores e senador licenciado (PSDB-SP)

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