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Linguagem simples para reduzir desigualdades

Por Daniel Annenberg

 

A pandemia da covid-19 exige, mais do que nunca, que os governos se comuniquem com as pessoas de maneira clara, simples e direta. Como o vírus é novo e informações surgem a todo momento, é importante que a população seja constantemente atualizada sobre a melhor maneira de se defender da doença e lidar com seus efeitos.

No Brasil, este desafio de comunicação é ainda maior. Segundo levantamento realizado pela organização não-governamental Ação Educativa, nada menos do que três em cada dez brasileiros são considerados analfabetos funcionais. São pessoas incapazes de ler e interpretar um texto simples. Imaginem como esses cidadãos e cidadãs lidam com termos como EPI, lockdown ou comorbidade. Se em tempos normais essa linguagem já afasta o público menos escolarizado, numa pandemia representa uma verdadeira ameaça ao direito que o cidadão tem de se proteger do vírus e da crise.

Foi por saber que a dificuldade de comunicação prejudica justamente as pessoas mais vulneráveis da população brasileira e aumenta a nossa já gravíssima desigualdade que, como vereador na cidade de São Paulo, apresentei o projeto de lei que cria a Política Municipal de Linguagem Simples. Sancionada pelo prefeito Bruno Covas, a Lei n. 17.316, de 6 de março de 2020, institui a Política Municipal de Linguagem Simples. O objetivo da Política é garantir que a administração pública municipal utilize uma linguagem simples e clara em todos seus atos, possibilitando que as pessoas consigam entender as informações da prefeitura e reduzindo a necessidade de intermediários entre o governo e a população.

Ao propor a simplificação da linguagem utilizada pelo governo, a Política Municipal de Linguagem Simples também busca reduzir os custos operacionais do atendimento ao cidadão e à cidadã. É muito mais rápido e efetivo atender as pessoas quando elas conseguem entender a informação que os atendentes precisam transmitir. Outra dimensão muito importante da Política de Linguagem Simples é a promoção da transparência e do acesso à informação pública de forma clara, de modo a facilitar a participação e o controle da gestão pública pela participação.

Em uma época com tantas ameaças autoritárias, é preciso que a linguagem seja usada como uma ferramenta capaz de aproximar, incluir e libertar quem depende dela para resolver suas demandas e discutir as grandes questões de sua comunidade. Como diz a professora Neide Mendonça, especialista na área, “escrever mal é desumano e antidemocrático, porque desrespeita um direito fundamental do leitor: compreender os textos que regulam sua vida de cidadão”.

A Lei n. 17.316/2020 estabelece que as ideias, palavras, frases e a estrutura devem ser organizadas para que o leitor encontre facilmente o que procura, compreenda o que encontre e saiba utilizar a informação. Entre as diretrizes propostas estão “linguagem respeitosa; palavras comuns; termos não discriminatórios; linguagem adequada para as pessoas com deficiência; explicar termos técnicos quando necessários; evitar siglas desconhecidas”.

O texto legal também prevê também algumas diretrizes para os atos da administração municipal, tais como o teste da linguagem com o público alvo – afinal, o que é simples para uma advogada pode não o ser para um motorista de táxi; o uso de linguagem amigável e respeitosa; o uso de linguagem adequada às pessoas com deficiência; a necessidade de evitar siglas desconhecidas e termos estrangeiros.

Ao propor a criação Política de Linguagem Simples nos inspiramos em iniciativas como as dos governos dos Estados Unidos e da Colômbia. A lei americana, por exemplo, desde 2010 obriga todos os órgãos federais a usarem linguagem simples na redação de documentos. Seu texto, também bastante simples, determina que “é preciso promover uma comunicação que o público possa entender e usar”.

No Brasil, projeto semelhante está sendo adotado pelo governo do Ceará e começa a ser discutido na Câmara dos Deputados. Em entrevista recente, aliás, o economista Michael Kremer, um dos vencedores do Prêmio Nobel de Economia de 2019, afirma que informar mal os mais pobres pode ser uma barreira maior para o desenvolvimento do que a falta de tecnologia.

Chega de usar a linguagem e as comunicações dos órgãos públicos para promover mais desigualdade e exclusão. A linguagem simples deve ser usada não apenas para informar a população, mas também para aproximá-la do governo, derrubando barreiras que nunca deveriam ter sido construídas e que só resultam em serviços públicos de pior qualidade. Já passou da hora da administração pública falar a língua das pessoas a quem ela serve. Quanto mais simples a linguagem, mais próximos estaremos de uma sociedade democrática, transparente e, acima de tudo, mais humana.

*Daniel Annenberg (PSDB), vereador na Câmara Municipal de São Paulo

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