A presidente Dilma Rousseff conseguiu transformar uma mudança necessária e bem-vinda numa mera guerra entre grupos econômicos. Com a má condução da votação da medida provisória que muda o marco regulatório dos portos, está desperdiçando uma excelente oportunidade de reformular um setor vital para que o país recupere a competitividade perdida.
A negociação para aprovação da MP dos Portos transformou-se num jogo de pressões, chantagens e ameaças em que o que menos importa é a qualidade do debate e a pertinência das propostas. O país precisa de portos mais modernos e regras mais adequadas para a melhoria de sua infraestrutura, mas, infelizmente, não tem um governo que consiga produzir resultados à altura.
A filosofia por trás da proposta inicial do Executivo é amplamente defensável e louvável: tornar os portos brasileiros mais eficientes e produtivos, tirando-os da condição de um dos dez piores do mundo; permitir maior competição entre operadores; e abrir o setor a uma participação ainda mais robusta de empresas privadas.
Mas a inapetência para conduzir transformações de tamanho alcance talvez explique os equívocos em série que Dilma e sua tropa venham acumulando nos cinco meses desde que a proposta foi enviada ao Congresso. A dificuldade em promover o debate está expressa até no instrumento legal adotado: uma MP, a ser votada na marra e com prazo de validade.
“O que falta à MP dos Portos é transparência na discussão. (…) O governo deveria esclarecer, em linguagem simples, no que o antigo modelo de exploração dos portos é a representação do atraso do país nessa área, explicar como serão decididas as licitações e, assim, não deixar no escuro a maioria da população”, analisa Raymundo Costa na edição de hoje do Valor Econômico.
Trata-se de atitude muito distinta daquela adotada pelo Executivo quando da última grande mudança no setor, feita em 1993. A atual Lei dos Portos – que, embora insuficiente para a realidade atual, representou à época um avanço tremendo num setor que era ainda mais feudal – foi discutida com a sociedade durante três anos. Prova de seus méritos é que conseguiu, ainda que aos trancos e barrancos, sobreviver por duas décadas.
E, agora, o que deverá acontecer no dia seguinte à aprovação da MP atual? Com interesses econômicos gigantescos e poderosíssimos em estado de conflagração, é possível que assistamos a uma batalha jurídica sem fim que, muito provavelmente, vai petrificar os investimentos nos portos brasileiros. Corremos o risco de ficar a ver navios.
Sem aptidão para conduzir reformas estruturantes e debates de grande envergadura, o governo Dilma faz o de costume: azeita a negociação em torno da aprovação da MP com a liberação de fartos recursos do Orçamento da União. No vácuo deixado pela omissão e pela inépcia da articulação política do Planalto, o que passa a valer é o toma-lá-dá-cá de sempre.
Há uma fornada de R$ 1 bilhão em emendas à espera dos parlamentares que se comportarem como quer o governo, segundo informa hoje a Folha de S.Paulo. A liberação é prometida para até o fim do mês, depois, portanto, que o destino da MP tiver sido selado. Aprovado o texto, os cofres estarão abertos aos que disseram amém – exatamente a quê, ninguém sabe bem ao certo…
A conversão do governo petista à solução das concessões e privatizações para modernizar a nossa infraestrutura, como no caso dos portos, é mais que bem-vinda. Pena que tenha tardado tanto e, por causa de sua delonga, causado tantos percalços e prejuízos ao país. Mais lamentável ainda é verificar que as poucas iniciativas que conseguem superar o ranço ideológico do PT não encontram na presidente Dilma Rousseff uma liderança à altura para fazê-las prosperar.