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A INVENÇÃO DOS PROGRAMAS SOCIAIS

A melhor chance que se pode dar a quem vive abaixo da linha da pobreza não é a solução óbvia de distribuir dinheiro -que alivia, mas ensina pouco-, mas distribuir oportunidades. Distribuir dinheiro tira momentaneamente da pobreza, mas só a distribuição de oportunidades permite o passo redentor que permite a ascensão social e, ao mesmo tempo, confere dignidade. Alguém cunhou uma expressão feliz -não se dá o peixe, ensina-se a pescar.

Distribuir dinheiro para um homem que é são, já dizia o poeta nordestino Luiz Gonzaga, o rei do baião, ou o mata de vergonha, ou vicia o cidadão. Distribuir dinheiro sem contrapartida é condicionar o homem à eternização do assistencialismo que não o promove -ao revés, o condiciona à dependência. Distribuir oportunidades fortalece o homem, ajuda-o a enxergar-se cidadão.

Distribuir dinheiro é lesar a criatividade do pobre, menosprezar sua capacidade empreendedora, desconfiar das suas potencialidades de realizar. O saber local existe e é capaz de gerar revoluções, ensinou-nos a antropóloga Ruth Cardoso. O seu jeito de olhar a pobreza sem associar a miséria à mera e efêmera carência material vinha de quem via, nos pobres, potencialidades inatas capazes de conferir-lhes independência, dignidade e liberdade -bastava uma mãozinha para criar oportunidades redentoras.

Foi assim, acreditando que a melhor solução para redimir a miséria era a distribuição de oportunidades, não de dinheiro, que Dona Ruth construiu seu pensamento singular, que revisou os fundamentos antropológicos no Brasil contemporâneo.

Ela consolidou esse pensamento na década de 1970, quando o saber antropológico no Brasil não concebia fórmulas eficazes para promover os segmentos sociais que viviam abaixo da linha da pobreza.

Quando chegou ao poder, acompanhando o marido, ela já carregava a certeza científica de que a melhor forma de escapar à miséria era propiciar a apreensão de conhecimento. O dinheiro dado aprisiona; o conhecimento, sim, liberta e aponta caminhos para a ascensão social, definiu dona Ruth muito antes de que se consolidassem formas de ampliar a justiça social e reduzir as diferenças de classe no Brasil.

Em maio de 2007, num seminário organizado pelo PSDB em Brasília, ela disse: “Temos prazos e metas, e é assim que vamos combater a pobreza, não é distribuindo recursos e esperando para ver o que acontece, porque isso se faz há muitos séculos, não tem novidade nenhuma”. E arrematou: “Desde a Idade Média, esse sistema de assistir e doar existe, e a pobreza está crescendo. Então, não há mais o que discutir, por aí não vamos”.

Foi essa ideia revolucionária que orientou o surgimento da rede de proteção social no governo Fernando Henrique Cardoso. Pela primeira vez na história, face ao largo contencioso social herdado da escravidão, um governo brasileiro se mostrou incomodado com os que viviam abaixo da linha da pobreza.

Sob a inspiração de dona Ruth, o governo repudiou a fórmula assistencialista e optou pela distribuição de oportunidades que permitiriam às pessoas ascender socialmente mediante o desabrochar de suas próprias potencialidades.

Foi dona Ruth quem consolidou a ideia da contrapartida, para comprometer o homem com sua própria evolução social.

Esse legado revolucionário sofreria, adiante, desvios reprováveis. Retrocedemos à noção primária de que o fundamental era dar dinheiro. Regredimos à forma mais torpe de escravidão, aquela que bloqueia a evolução do homem e o condiciona ao voto, tornando-o vítima de um vergonhoso processo de dominação que compromete o seu arbítrio de cidadão.

Foi dona Ruth quem convocou empresários ao Palácio do Planalto pela primeira vez para discutir um tema até então obscuro e incompreensível – a responsabilidade social.

Ela usou a força do governo para propagar a consciência de que as grandes empresas deveriam se corresponsabilizar pela melhoria do cenário social. Criava-se ali um novo olhar sobre a tragédia da pobreza e a dívida social da sociedade brasileira. Ela reinventou a solidariedade.

Sem Ruth Cardoso há um ano, as ideias empobreceram, e o Brasil empobreceu junto. Seus movimentos criativos e generosos, no entanto, não são elos perdidos do passado: ao contrário, representam uma ideia vigorosa a demarcar caminhos para quitar a imensa dívida social que o Brasil tem com as populações que vivem abaixo da linha da pobreza.

O Brasil merece, dona Ruth merece que não viciemos os cidadãos na humilhação da dependência, mas ofereçamos a eles a grandiosa opção do encontro com a cidadania.

José Aníbal Peres de Pontes, 61, economista, é deputado federal pelo PSDB-SP e líder do partido na Câmara dos Deputados. Foi presidente nacional do PSDB de 2001 a 2003.

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