por Vinicius Lousada, A Cidade de Bauru
França efervescida, 1963. Em meio a este cenário, rumo à milenar cidade de Montpellier, o adolescente de 16 anos saiu do Líbano, após concluir o curso colegial, com o objetivo de se tornar médico. Por lá, Pedro Tobias viveu durante 15 anos até vir definitivamente ao Brasil, onde constituiu família e construiu suas carreiras profissional e política. Mais de três décadas depois, o hoje deputado estadual acaba de fazer uma viagem no tempo e, pela primeira vez, voltou à universidade onde se formou médico, reacendendo memórias do jovem estrangeiro no Velho Mundo.
“Foi a maior felicidade da minha vida dos últimos anos. Resgatei minha juventude e um filme passou na minha cabeça. Afinal, foi lá que virei adulto. Me senti como se estivesse voltando para casa”, conta, emocionado.
Conhecido por se dedicar de corpo e alma a tudo que faz, como a medicina e a vida pública, atividades que tomam todo seu tempo, Tobias relatou, sensibilizado, no Café com Política do JC, que a viagem o fez redescobrir algo que é tão importante quanto o trabalho, ou seja, a sensação de olhar para sua trajetória e ver o caminho percorrido a partir de onde tudo começou, os ideais cultivados, a vocação exercida e a força da juventude que todo homem vitorioso guarda dentro de si como uma energia que não se esgota.
O compositor Aldir Blanc, em canção imortalizada pela voz de Nana Caymmi, já disse, porém, que “[o tempo] não sabe ficar”.
Pedro tem consciência disso e, apesar do frescor trazido pela viagem, feita em meados deste mês, relata que fora acometido também pela tristeza de saber que a maioria de seus mestres e colegas de faculdade já morreu ou não vive mais na cidade onde estudou. “Não consegui encontrar ninguém”.
Imigração
Na condição de ex-aluno, Tobias foi recebido pelo atual diretor da Faculdade de Medicina da Universidade de Montpellier. “Ele se formou uns 10 anos depois que eu. Ficou orgulhoso de ver que sou deputado e presidente de um partido político importante em um estado brasileiro maior do que a França, onde um estrangeiro dificilmente chegaria a um posto como este”, afirma.
Por conta do aumento da imigração na Europa e pelo avanço do Estado Islâmico, o preconceito contra estrangeiros, especialmente vindos do Oriente Médio, sempre existiu no País onde se formou médico, ressalta o deputado.
Apesar disso, 10% dos 500 alunos de sua turma na faculdade eram, como ele, do Líbano, país dominado pelos franceses até meados da década de 1940. “Mesmo com todas as dificuldades, existe um forte elo entre as duas nações, até de natureza afetiva”, diz. Até hoje, apenas 20% dos moradores de Montpellier são nascidos na cidade, conhecida pela prática da política de “integração dos povos”.
Memórias e um novo olhar agora
Pedro Tobias garante que, depois de 35 anos sem voltar a Montpellier, pretende repetir a viagem outras vezes, preferencialmente para passar mais tempo na cidade onde vivenciou grandes momentos.
“Poderia passar um dia inteiro só observando, contemplando, com um olhar muito diferente do que o da juventude. Só agora eu reparei na placa que registra o ano de criação da universidade. Ela foi fundada em 1220. É uma das mais antigas do mundo”, conta.
O deputado rememorou ainda as horas de tensão, esperando os resultados da prova e até a primeira – frustrada – tentativa de ingressar na residência médica, após a formatura.
“O examinador me perguntou sobre os sinais radiológicos para tuberculose de osso. Isso é muito raro. Se fosse de pulmão, de rim, tudo bem. Até tentei enrolar, mas ele me mandou voltar no ano seguinte”, lembra-se, aos risos.
Tobias também regressou ao café Les Trois Graces, onde passava horas, segundo ele, filosofando com os amigos.
“A gente pedia o prato de filé com fritas e dividia em três por falta de dinheiro. Ainda assim, era tudo muito bom. Éramos uma juventude sonhadora, idealista e não materialista”.
Médicos sem Fronteiras
Durante seus anos na França, Pedro Tobias participou da fundação da organização Médicos sem Fronteiras, que, até hoje, oferece ajuda médica e humanitária a populações em situações de emergência.
“Foi consequência daquele clima revolucionário do icônico ano de 1968. A iniciativa partiu de um professor meu chamado Roger Bertrand. Deu na cabeça de que ele precisava fazer alguma coisa”, conta.
Tanto o idealizador quanto Tobias deixaram o movimento um ano depois, insatisfeitos com o rumo tomado. “Virou profissional, uma nova Cruz Vermelha. A ideia original era fazer algo voluntário, que não envolvesse dinheiro”, explica. Pedro relata que, durante a vivência na organização, viajou, pagando as passagens dos próprios bolsos, para prestar atendimento nas guerras do Vietnã e da Síria.
“É muito fácil falar e escrever sobre guerras, mas viver é outra história. As imagens não saem da cabeça, especialmente porque sabemos que quem morre são sempre os mais fracos”.
Publicada pelo jornal A Cidade de Bauru em 31 de julho de 2016