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Aécio: é preciso coragem para fazer diferente

Leia abaixo a íntegra de entrevista do presidente nacional do PSDB, senador Aécio Neves (MG), aos repórteres Leopoldo Mateus, Alberto Bombig, João Gabriel de Lima e Hélio Gurovitz, publicada na revista Época:

ÉPOCA – O senhor é candidato a presidente?

Aécio Neves – O PSDB terá candidato. Não é uma opção, é uma obrigação do PSDB. Principalmente devido ao agravamento da situação brasileira. Cumprirei o papel que o partido determinar. Hoje, sou 100% presidente nacional do PSDB. Com uma agenda extensa, que busca uma reconciliação do PSDB com a sociedade brasileira. Em especial com setores que já foram próximos e, ao longo do tempo, por razões diversas, se distanciaram do PSDB. Acredito que temos um projeto melhor que esse que está aí para o Brasil. E quero dividir isso.

ÉPOCA – Existe um desejo? O senhor quer ser candidato?

Aécio – Tenho disposição. E vou ate aí. Seria avançar muito numa decisão que não é individual, é partidária. Vários podem querer. Cada vez mais me sinto na obrigação de cumprir um papel importante nesse processo, e o partido determinará qual será ele.

ÉPOCA – O crescimento econômico tem sido um problema do governo atual. O senhor tem dito que conseguiria fazer o Brasil crescer a 4%, 5%. Quais seriam as medidas concretas para fazer o país crescer nesse ritmo?

Aécio – Temos de partir de uma constatação: o governo da presidente Dilma falhou. Falhou na condução da política econômica, na gestão do país e no aprofundamento dos programas nas áreas sociais. A saúde é trágica, a educação é de péssima qualidade e a criminalidade avança sem respostas objetivas do governo. O resultado da balança comercial é o pior dos últimos 20 anos, o crescimento é pífio, a inflação está retornando. Esse cenário é de extrema preocupação. O governo se acostumou a terceirizar as responsabilidades, a atribuir as crises a fatores externos. Agora, não dá para dizer que os problemas não são causados aqui. A Europa começa a se recuperar, os Estados Unidos começam a se recuperar com maior vigor. Nós, segundo a Cepal, só para falar dos nossos vizinhos, teremos um crescimento maior apenas que a Venezuela – talvez, em solidariedade à Venezuela…

ÉPOCA – Por que isso ocorre?

Aécio – O governo não fez o que precisava fazer. Só com a redução da taxa de juros, a economia foi de 1% do PIB. Isso foi gasto em investimentos que pudessem alavancar o crescimento da economia? Não. Foi gasto exclusivamente em aumento dos gastos correntes do governo. O governo gasta muito e gasta mal. E, sobretudo, gasta sem prioridades. O que aconteceu? Até 2008, o governo seguiu, de alguma forma, a cartilha do PSDB na macroeconomia. Aliás, quando o PT segue a cartilha do PSDB, ele vai bem. Quando o PT resolve inventar seu próprio caminho, o Brasil vai mal. Nesse período, até 2008, tivemos a manutenção do câmbio flutuante, metas de inflação razoavelmente perseguidas e superávit primário adequado. Essa foi a receita, até a crise de 2008. De lá para cá, virou quase um vale-tudo. O governo, a meu ver, perdeu o controle. A conseqüência é uma perda grande de credibilidade do Brasil lá fora. Ao mesmo tempo, recupera-se a economia americana, obviamente um porto muito mais seguro para qualquer tipo de investimento. Além disso, países que de alguma forma competiam conosco na atração desses investimentos, como o México, fazem seu dever de casa, começam a ser uma opção preferencial em relação ao Brasil. Fortalece-se, em nosso entorno, essa Aliança do Pacífico, e ficamos perdidos no Mercosul – que, de uma boa ideia, passou a ser uma camisa de força. Hoje, o Brasil tem acordos bilaterais com Palestina,

Egito e Israel. O Chile tem mais de 30. Está indo embora e ficamos amarrados nessa camisa de força. O Brasil precisa de uma visão de mundo mais moderna.

ÉPOCA – O senhor teria coragem de cortar gastos, diminuir ministérios e a máquina estatal, demitir funcionário público?


ÉPOCA – Qual sua opinião sobre o Bolsa Família?
Aécio – Se o PSDB assumir o governo, e eu tiver um papel nesse processo, não teremos no Brasil mais que 22 ministérios. Hoje, só perdemos para o Sri Lanka no mundo. E que se cuide o Sri Lanka! Se tiver mais um partidinho para entrar no governo ou mais três segundos de TV, podemos chegar lá. Um grupo muito qualificado da Universidade Cornell fez um estudo em mais de 60 países e mostrou que os mais eficientes têm entre 20 e 22 ministérios. Para fazer uma homenagem ao ex-presidente Fernando Henrique, quando ele deixou o governo, existiam 21 ministérios. Existem gastos que são incomprimíveis. Você não pode sair demitindo funcionários que têm estabilidade. Mas tem de criar uma racionalidade no crescimento dessas despesas correntes. Elas não podem continuar crescendo mais do que a economia. Essa conta não fecha, não é lógica.

Aécio – Os programas sociais têm de ser qualificados, não extintos. O Bolsa Família representa hoje 0,5% do Orçamento. E está enraizado na vida econômica, na vida social do país. Pode ser mantido, mas tem de ser avaliado. Essas famílias têm de, pelo menos uma vez ao ano, receber uma visita para saber o que aconteceu com as crianças. Defendo até coisas novas. Uma família em que os pais voltaram a estudar deveria ter um bônus. Quando os filhos estão efetivamente melhorando seu nível de escolaridade, também têm de receber bônus. Defendo que um pai de família que arrume um emprego ainda receba o Bolsa por mais seis meses. Mas esse pessoal tem de ser estimulado a ir trabalhar. Não acho que a única herança que um pai de família queira deixar para seu filho seja um cartão do Bolsa Família. Que país é esse que estamos construindo? Foco, gestão, inclusive dos programas sociais, é fundamental. O governo não avalia mais esses programas. A lógica do governo hoje é a contabilidade marqueteira: mais 1 milhão de famílias estão no Bolsa Família. O governo tinha de comemorar era menos 2 milhões de famílias no Bolsa Família, porque os caras arrumaram emprego. Ao contrário do PT, não me contento com a administração diária da pobreza. Quero a superação da pobreza.

ÉPOCA – O senhor se comprometeria com metas de redução de carga tributária, redução do número de beneficiados do Bolsa Família, porque arrumaram emprego, e em atrelar o crescimento dos gastos correntes ao crescimento da economia?

Aécio – Eu me comprometo com todas as metas que dependam unilateralmente da ação de um governo do PSDB. Não posso me comprometer com metas que dependam de respostas a ações do governo, como tirar tantos milhões de pessoas do Bolsa Família. Mas podemos estabelecer metas e remunerar as pessoas que trabalhem em cada uma dessas áreas do governo, quando elas atingirem essas metas. Minas Gerais tem 100% dos servidores avaliados por metas. Na educação, de melhoria do nível de cada sala de aula. Na saúde, de redução da mortalidade infantil. Na segurança, de diminuição da criminalidade. Fizemos isso em todas as áreas. Por que o governo do PT não faz isso? Porque é comprometido com esse corporativismo sindical que não quer avaliação, tem horror de ser avaliado. Sou a favor de que o servidor público seja muito bem remunerado, mais do que é hoje. Mas sou a favor de que preste também serviços de ótima qualidade à população. Temos de dar condições e avaliar.

ÉPOCA- Entre os oito Estados com menos funcionários públicos por 100 mi! habitantes, quatro são governados pelo PSDB. O PSDB no governo significa menos concursos públicos?

Aécio – Não. Significa serviços mais eficientes. Você tem Estados com número muito maior de municípios. Precisará que determinados serviços sejam mais expandidos. Onde há uma concentração maior, a lógica obviamente é outra. Estados do PSDB são Estados bem governados, eficientes, que não jogam para a platéia e para o corporativismo. São Estados que apresentam resultados. Diferentemente do PT, que faz o governo do improviso casado com a ineficiência.

ÉPOCA – Qual sua opinião sobre o Enem?

Aécio – É uma tentativa correta, muito mal concebida no início, até hoje com problemas gravíssimos, como a questão da correção das redações. Mas é um processo em construção. Não acho que um governo a que eu faça oposição só erra.

O Enem é uma tentativa. Mas, se formos falar de educação, é trágica a situação do Brasil. Na América do Sul, em média de permanência dos meninos na escola, só nos equiparamos ao Suriname: 7,5 anos de permanência, contra 12 da Argentina. No final do governo FHC, chegamos a 97% das crianças nas escolas. O que aconteceu em termos de qualificação? Nada. Hoje, uma em cada quatro crianças que entram no ensino fundamental sai antes de completar o ciclo. No ensino médio, 50%.

ÉPOCA – Há o desafio gigantesco de estender o ensino fundamental para crianças a partir dos 4 anos. São milhões de crianças. Como seria o preparo para isso acontecer?

Aécio – Gestão. Assumi o governo de Minas em 2003. Em 2004, fui o primeiro governador do Brasil a colocar as crianças de 6 anos na escola. Sabe como fiz? Gestão. Coloquei mais de 100 mil crianças nas escolas, ocupando espaços ociosos, professores com carga horária ociosa, fizemos remanejamento. Houve pancadaria do sindicato em cima da gente, mas enfrentamos.

ÉPOCA – E quanto à política de cotas raciais e sociais nas universidades, qual sua opinião?

Aécio – Não tenho preconceito contra elas. São inclusivas, num país que tem essa dívida histórica. Mas essa política teria de ser mais bem elaborada. As cotas teriam de mensurar o indicador social, e não apenas o étnico, a cor da pele. Teria de ter uma mescla. É uma coisa que já estamos discutindo no Congresso. A política de cotas é um avanço hoje – mas não se deve, como faz o PT, achar que já está tudo resolvido. Deu mais R$ 70 para o cidadão e acha que acabou a miséria do sujeito, e ele não é mais preocupação. Tínhamos de fazer uma calibragem em que os indicadores sociais pudessem também beneficiar famílias excluídas por outras razões, não apenas a da cor da pele.

ÉPOCA – O presidente de honra de seu partido, Fernando Henrique Cardoso, tem defendido a descriminalização de algumas drogas leves, como a maconha. Ele defende o tratamento dessa questão como problema de saúde, e não de segurança. O senhor concorda? É a favor de legalizar a maconha?

Aécio – O ex-presidente Fernando Henrique tem toda a autoridade moral e intelectual para trazer essa discussão. É formidável que faça isso. Mas não sou a favor dessa tese. O Brasil não pode ser a cobaia disso. Essa é minha posição e a do partido. Fernando Henrique transcende o partido e o Brasil, é um intelectual importantíssimo, tem presença em todos os foros internacionais. Mas, nesse capítulo, discordo dele.

ÉPOCA – FHC definiu o PSDB como liberal na economia e nos costumes. O que o senhor acha do casamento gay?

Aécio – Essa já é uma realidade. Não me oponho em nada.

ÉPOCA – E quanto ao aborto?

Aécio – Sou a favor da legislação atual, sem mudanças.

ÉPOCA – O senhor acha que esse tema dos direitos individuais e dos costumes deve constar do debate político e eleitoral?

Aécio – Acho uma perda de tempo. Até porque não são questões que serão decididas pelo presidente.

ÉPOCA – Que visão o senhor tem do papel das três últimas campanhas presidenciais do PSDB, duas de José Serra e uma de Geraldo Alckmin?

Aécio – Apesar de não ter sido protagonista em nenhum desses momentos, me incluo entre os que aceitaram que abríssemos mão de parcela de nossa história. Foi um erro. Um erro que temos de assumir com muita clareza e tentar minimizar nas eleições futuras. Tanto o Geraldo quanto o Serra são homens públicos extremamente qualificados, respeitados pela conduta moral, algo cada vez mais importante neste Brasil de tantos desvios. Serra e Geraldo lutaram com as armas que tinham e podiam, contra aqueles que condenavam e demonizavam as privatizações e hoje as fazem de forma malfeita.

ÉPOCA – O senhor defenderá as privatizações?

Aécio – As privatizações trouxeram benefícios extraordinários para o Brasil. As privatizações do setor mineral e siderúrgico, da telefonia, da Embraer. Elas foram essenciais para o Brasil. Quero que venham para o debate sobre esse assunto, não temos medo do debate.

ÉPOCA – Num governo do PSDB, a política econômica seria conduzida por economistas da mesma linha do governo FHC?

Aécio – Sim, mas de uma nova geração. Economistas que compreendam que o mercado não é inimigo, que a iniciativa privada gera riquezas e que cabe ao Estado distribuí-las adequadamente. Não teremos economistas populistas, mas responsáveis.

ÉPOCA – As pesquisas mostram que, quando comparadas as gestões de Fernando Henrique e do PT, a população dá vantagem ao PT. Não é um suicídio eleitoral defender o legado de FHC?

Aécio – Pesquisas mostram que quase metade da população acha que quem fez o plano de estabilidade econômica, o Plano Real, foi o Lula. Portanto, temos de resgatar esse legado. Se o Brasil está melhor hoje, é em grande parte pelo que foi feito lá atrás. Não faço isso por um motivo eleitoral, faço porque é verdade. Resgatar nosso legado é um dever.

Em 2006, na campanha do Geraldo, espalharam o boato de que privatizaríamos a Petrobras. Hoje, quero reestatizar a Petrobras, tirá-la das mãos do aparelho partidário do PT, trazê-la de volta para o Brasil.

ÉPOCA – Qual deve ser o tamanho do Estado para o senhor?

Aécio – Essa discussão entre Estado máximo e mínimo já ficou para trás. O que queremos é o Estado eficiente. Hoje, o Estado cresce para atender setores próximos ao governo e não avança. Quero um Estado que funcione, com metas em todas as áreas.

ÉPOCA – O senhor pretende reduzir a carga tributária?

Aécio – Sim, mas você não faz isso com mágica. Tem de ser feito com planejamento, redução dos gastos correntes para ter um espaço fiscal para reduzir a carga. O governo optou por desonerações setoriais, um grave equívoco, e sem contrapartida das empresas. Essas empresas poderiam investir em pesquisa e desenvolvimento e na conservação ambiental.

ÉPOCA – No Brasil, os empresários adoram ir ao governo pedir dinheiro e desoneração. É uma herança do desenvolvimentismo que não mudou. Num hipotético governo do PSDB, o presidente dirá não aos empresários?

Aécio – Até 2007, o Tesouro emprestava R$ 14 bilhões aos bancos públicos. Hoje, são R$ 406 bilhões. Em grande parte, esse dinheiro vai para o BNDES subsidiar empresas. Desde então, o que aconteceu? O crescimento do PIB aumentou? Não, caiu. A participação da indústria na construção do PIB aumentou? Não, caiu. Aumentamos os investimentos em inovação? Não. Essa política precisa privilegiar setores, não apenas empresas. A visão desenvolvimentista estimulou muito isso. Muitos dos empresários não precisariam desse dinheiro subsidiado. Teriam condição de buscar linhas de crédito normais.

ÉPOCA – O ex-presidente FHC costuma dizer que o PSDB precisa de um “banho de povo”. O senhor usa transporte público?

Aécio – Não.

ÉPOCA – O senhor, quando precisa de um atendimento médico, usa o Sistema Único de Saúde (SUS)?

Aécio – Não, não uso. Mas reconheço a importância do SUS, criado, aliás, no nosso governo. Ele agora precisa ser aprimorado para avançar. Olha, não faço demagogia. Sou de uma família de classe média, estudei e vivo da mesma forma que sempre vivi. Para muita gente do PT, o poder significou apenas ascensão social. Uns trocaram de casa, outros de carro. Para nós, do PSDB, isso não aconteceu. FHC saiu da Presidência e foi morar no mesmo bairro em que morava antes.

ÉPOCA – O senhor tem empregada doméstica?

Aécio – Sim.

ÉPOCA – O que o senhor e o PSDB acham da nova lei dos trabalhadores domésticos?

Aécio – Somos totalmente favoráveis. Um avanço extraordinário. É claro que adaptações podem ser feitas, como a do banco de horas. Mas sem retirar direitos.

ÉPOCA – O que o senhor acha da lei trabalhista?

Aécio – É preciso amplitude para debatê-la. No PSDB, criamos um grupo para apresentar propostas que ampliem o emprego sem tirar direitos do trabalhador.

ÉPOCA – Qual será o papel do ex-governador José Serra a partir de agora no PSDB?

Aécio – O papel que ele quiser ter. Os sinais que recebo àe)e são de que Serra participará desse processo conosco.

ÉPOCA – No ano passado, Serra disse que a campanha dele foi vítima de “frouxidões regionais”. Os correligionários dele dizem que elas vieram especialmente de Minas Gerais.

Aécio – Isso é lenda urbana. O Serra ganhou da Dilma em Belo Horizonte, a cidade onde Dilma nasceu.

ÉPOCA – E o governador Eduardo Campos (PSB-PE)? Como o senhor vê a possibilidade de ele ser candidato a 

Aécio – Para o quadro político, seria muito bom se ele fosse candidato. Apesar do cerco que o PT faz em torno dele e da Marina Silva, que mostra esse apego sem limites que os pe-tistas têm pelo poder. O governo Dilma não é um governo de coalizão, é de cooptação. Vale tudo para ganhar um minuto de TV. O PSDB não teme adversários. Temos história e um projeto de poder. Muita gente tem dito que quer fazer mais. Fazer mais do que está aí não nos levará a lugar nenhum. E preciso ter coragem para fazer diferente – e para fazer melhor.presidente?

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