O debate a respeito das causas determinantes do apagão que atingiu grande parte do País em nada reduz as situações traumáticas vividas pelas pessoas surpreendidas no elevador de um prédio de escritórios vazio (ou quase) àquela hora da noite, sem alternativa de voltar do centro para casa em alguma de nossas metrópoles ou mesmo com séria dificuldade para chegar ao seu apartamento num prédio às escuras.
País cujo consumo de eletricidade é garantido quase inteiramente por uma rede de hidrelétricas, o Brasil caminhou de usinas geradoras locais para as de grande porte e construiu, com êxito, a maior parte de um sistema de interligação. Isso permite que inconvenientes de um período de seca, que esvazia as represas de uma região, não sejam repassados aos seus habitantes sob a forma de interrupções no sistema de energia elétrica.
Eficiente, a distribuição apoiada em longas linhas de transmissão tem contrapartidas. Uma é a multiplicidade de pontos vulneráveis, pois nunca se sabe onde uma anormalidade meteorológica vai ocorrer. Outra é a conversão de problemas locais em apagões regionais, num resultado parecido com um gigantesco dominó.
Interrompido o fornecimento numa área que cobre vários estados, recolocá-lo em funcionamento é tarefa de alta complexidade. Há o risco de, em vez de se eliminar o colapso, ampliar-lhe a extensão e gravidade.
Esse desafio não é exclusivo dos planejadores de sistemas hidrelétricos no Brasil e envolve questões teóricas não totalmente equacionadas. No nosso caso, a urgência é maior porque os cidadãos cada vez mais se dão conta de que uma turbulência climática a centenas de quilômetros de suas casas ou empresas pode afetá-los de forma muito desagradável.
No recente apagão, três linhões transportadores da energia de Itaipu, que se cruzam na subestação de Itaberá, município de 17.500 habitantes no sudoeste paulista, teriam sido danificados por um suposto raio, segundo informações oficiais do Governo fornecidas apenas 21 horas após o becaute. Os dois linhões remanescentes não tinham condições de transportar a quantidade de energia gerada. O sistema caiu e chegou ocasionar a paralisação das vinte turbinas geradoras.
É dever dos órgãos governamentais do setor energético, através de ações de planejamento e construção de obras complementares, prevenir ou reduzir a insegurança, o medo e o desconforto que podem, a qualquer momento, abater-se sobre os brasileiros, na forma de um apagão de grande porte.
Indispensável, para tanto, definir as vulnerabilidades mais acentuadas do sistema de distribuição, implantar equipamentos que permitam circunscrevê-los a áreas menores e reduzir o tempo de retorno à operação normal. Isso exige um programa bem definido e um cronograma realista e confiável de investimentos.
O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva deveria não só dispor desses dois instrumentos de trabalho como estar dando execução às providências nele previstas, exatamente porque, no governo de seu antecessor, o presidente Fernando Henrique Cardoso, o País enfrentou um blecaute de proporção bem menor, ocasionado por dois problemas: longas estiagens e linhas de ligação entre regiões não concluídas.
Criar as bases para solucionar tais problemas foi uma das preocupações sérias que o apagão trouxe ao governo FHC. Quando, com a vitória de Lula na eleição de 2002, criou-se o governo de transição FHC/Lula, houve grande preocupação em passar aos eleitos propostas para estabilizar o provimento de energia e criar uma estrutura de controle de apagão.
A equipe da crise energética de FHC deixou todo um arcabouço técnico para a equipe de Lula, chefiada pela então ministra das Minas e Energia, Dilma Roussef, com modelo gerencial de crise.
A equipe de Lula obteve todas as informações e propostas necessárias à construção de um modelo energético para conviver, sem traumas, com longos períodos de estiagem. Recebeu, igualmente, um elenco de propostas para concluir a interligação de todo o sistema, de maneira a permitir a troca de energia de região para região, no caso de desabastecimento por falta de chuvas.
O atual governo, além de não haver enfrentado os longos períodos de estiagem, como ocorreu no governo FHC, foi beneficiado, neste ano, por índices recordes de chuva. Está chegando ao final do período de estiagem no sudeste com índices excepcionais no sistema de reservatório.
Lamentavelmente, entretanto, protelou as obras de interligação dos sistemas. Também não cuidou de executar as ações preventivas de apagões, recomendadas pela equipe de crise energética do governo FHC, que recebeu entre o final de 2002 e 2003. O apagão desta semana é uma lembrança da natureza de que deixar tais providências para depois pode ter um preço alto para o Brasil.
Antonio Carlos Pannunzio é deputado federal, membro da CCJ, foi líder de bancada e presidente do Diretório Estadual do PSDB/SP