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As cidades e as águas

Andrea Matarazzo

As cidades brasileiras cresceram e foram se desenvolvendo sem planejamento, com poucas exceções. Mesmo as áreas urbanas, frutos de intervenções planejadas, são hoje objeto de olhares críticos. A regra foi, infelizmente, uma expansão bastante desordenada, pautada por ocupações privadas de alta e de baixa renda seguidas pela pressão para a instalação de infraestrutura e de serviços públicos. Como resultado desta trajetória, as cidades herdaram espaços cheios de problemas e de difícil gestão.

Na paisagem urbana e na vida das cidades, a água é o elemento que mais ferozmente sofreu degradação, com consequências amargas e de custosa reversão. A listagem de danos causados pela ocupação desordenada é longa e chocante. Rios foram canalizados e tornados invisíveis. Áreas lindeiras foram ocupadas até suas margens, consideradas nos níveis de seca mais intensa. Ignorou-se que, na estação das chuvas, o espaço necessário para o escoamento das águas é bem maior. Perdeu-se a oportunidade de ter os rios como aliados das cidades, de usá-los para navegação e como locais de lazer que amenizam a paisagem e dão qualidade à vida urbana.

Reverter este quadro pressupõe a reorientação de algumas das concepções que nortearam o desenvolvimento das cidades. Requer o planejamento com outra visão, novos e pesados investimentos, participação social intensa, cuidados permanentes. Com o olhar para a qualidade das águas e para a gestão das enchentes é preciso investir em vários setores da vida urbana: retirar infraestrutura inadequadamente implantada, oferecer novas habitações, com prioridade para moradores de áreas de risco, garantir coleta de lixo e varrição sistemática das ruas, fiscalização intensa sobre o destino do entulho e sobre os focos de erosão, reurbanização de áreas degradadas e implantação de novos sistemas de drenagem, completar as redes de coleta de esgotos e  estações de tratamento.

A lista é muito longa e as atividades bastante complexas. Por isso, precisam figurar como prioridade de governo. Existem bons exemplos, como o de Seul, na Coréia do Sul, que recuperou totalmente o rio Cheong Gye Cheon em apenas três anos. Canalizado sob uma grande avenida com quatro faixas para veículos, o rio era completamente invisível até que a cidade tomou a decisão de trazê-lo de volta à tona. Cinco quilômetros de avenida foram demolidos e o resultado pode ser medido pela melhoria urbana no entorno e pela beleza da paisagem.

O rio Tâmisa, em Londres, é outro caso exemplar. Centenas de anos de poluição intensa foram enfrentados com investimentos maciços na rede de esgoto. Tido como morto até os anos 1950, o Tâmisa voltou a ser navegável e abriga, hoje, 120 espécies de peixes. Existem outros bons exemplos, inclusive aqui no Brasil.

Isoladamente, as prefeituras não conseguem resultados suficientes. É preciso a sua articulação com o Estado e com o Governo Federal, assim como é preciso estabelecer políticas comuns entre os municípios que compartilham bacias hidrográficas.

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