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Carta aberta a Dilma Roussef

Cara Dilma,

Você declarou, na festa de 10 anos do PT: “nós não herdamos nada, presidente Lula, nós construímos.  Devo dizer que senti-me, pessoalmente, atingido por tanta insensibilidade e tanto desrespeito.

Sou daqueles que, como milhares de brasileiros, lutou pelas liberdades desde o golpe de 1964 até a redemocratização do país na década de 1980.   Você também foi um deles, ainda que de maneira diferente da minha.

Eu, Fernando Henrique e muitos outros entendíamos que somente uma grande frente democrática, usando todos os espaços legais e semi legais possíveis, poderia derrotar o regime.  Por isso nos filiamos ao MDB e fomos juntando forças até a vitória da Democracia. Você optou, como muitos, por um caminho equivocado: a luta através dos grupos que acreditavam que seria possível derrubar a ditadura pelas armas.  Foi presa, torturada e depois seguiu o mesmo caminho que nós e, quando a democracia foi vitoriosa, se dedicou a organizar o PDT e foi secretaria no governo de Porto Alegre. Posteriormente se filiou ao PT e, após a vitória de Lula, em 2002, passou a ser um seu muito próximo colaborador.

Comecei a minha vida política em 1970, o mesmo ano de sua prisão, como candidato ( vitorioso ) a Deputado Estadual pelo MDB e, enquanto eu denunciava a ditadura e a repressão na tribuna da Assembleia Legislativa, você, há poucos metros do local, nos porões do DOI-CODI, estava presa e sendo torturada.  Dediquei-a a vida não só a reconquistar os direitos usurpados como também a buscar a melhoria das condições de vida de nosso povo.  Não enfrentei a prisão, nem fui objeto de torturas, mas sofri, sob riscos e ameaças, durante muitos anos, as agruras de uma luta política que parecia fadada ao insucesso.  Fui Deputado Federal, Secretário de Estado, Ministro dos Transportes, Vice Governador e Governador do Estado, sempre coerente com minha origem e minha história.  Acreditei ser possível vencer –  e vencemos.

Não só reconquistamos a Democracia, como iniciamos a reconstrução de um país paralisado e sujeito à brutal inflação, onde a pobreza e a miséria atingiam a maioria da população.  Durante os anos dos governos Sarney, Collor ( que derrubamos ), Itamar e Fernando Henrique, fomos plantando políticas que sedimentavam o regime democrático e semeavam as esperanças de melhores dias para o nosso povo.  Os resultados, pouco a pouco, foram germinando e logo após, Lula com você no seu governo, e agora você mesmo – e nós na oposição – construímos o país que hoje temos.

Como você tem agora a coragem de dizer que não herdaram nada.  A nossa luta, o nosso suor, o nosso sangue e as nossas lágrimas foram apenas uma fantasia?  Ou um pesadelo?  Como você tem a coragem de dizer que vocês, só vocês, é que construíram algo?

Na luta política não se espera muita coisa do adversário.  Mas o respeito à verdade histórica e a honestidade intelectual não podem ser deprezadas.  Principalmente por parte de você que quando na prisão, e mesmo fora dela, acompanhava a nossa luta, que certamente reconheceu.

Você não tem o direito de se expressar dessa formal. Está na disputa pela reeleição e se compreende que defenda o seu governo, como nós mostramos os seus insucessos.  Mas há um limite ético, uma exigência de escrúpulos, mesmo nesse terreno tão sem princípios que tem sido a política.  Não macule a sua história, muito menos a nossa, com afirmações que um militante honesto, quanto mais um Chefe de Estado, com o seu passado e as suas responsabilidades, não pode fazer.

Alberto Goldman

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