Antonio Carlos de Mendes Thame *
Quando José Serra assumiu o Ministério da Saúde, os hospitais estavam sucateados e as Santas Casas em situação pré-falimentar. Muitas instituições não queriam mais trabalhar para o SUS, com receio de ir à falência, em decorrência dos atrasos nos pagamentos e da defasagem dos valores pagos. Como resultado, doentes eram transportados de hospital para hospital à procura de vagas. Pessoas que demandavam atendimento aguardavam em intermináveis filas, implorando por uma vaga, mesmo que fosse numa das macas espalhadas nos lotados corredores dos hospitais. O problema atingia a grande maioria das cidades do país, impondo grande sofrimento à população dependente do SUS (em 1998, segundo o IBOPE, apenas 15% da população não era usuário do Sistema Único de Saúde).
Em pouco tempo, Serra promoveu vigorosas intervenções num sistema que estava corroído, historicamente contaminado. Sua primeira ação como ministro foi buscar financiamentos para reformar, modernizar e construir hospitais, única forma de garantir e ampliar os direitos dos pacientes.
Depois, defrontou-se com um caso de polícia: combater as quadrilhas que falsificavam remédios, os mais caros, destinados a doenças graves. Diversos bandos foram desbaratados e falsificar remédio passou a ser crime inafiançável.
A seguir veio o enfrentamento dos laboratórios que fabricavam bons medicamentos, porém, a preços inacessíveis para a maior parte da população. O ministro Serra propôs a redução do IPI para os medicamentos de uso prolongado, em troca de preços mais acessíveis. Os tributos baixaram, mas o reflexo nos preços dos remédios foi uma queda insuficiente. Mas ele não desistiu e deu início a uma batalha para aprovar a lei que permitisse a fabricação de genéricos no País. Hoje, 36 laboratórios no Brasil fabricam mais de dois mil genéricos. Esses medicamentos, por serem em média 40% mais baratos que os de marca, criaram uma concorrência que obrigou muitos laboratórios a controlar melhor seus preços para não perder grandes fatias do mercado.
Surpreendendo os que achavam impossível, Serra conseguiu estender por todo o Brasil o Programa Saúde em Família, ou médico da família, como é conhecido, que hoje conta com mais de 26 mil equipes (16,3 mil implantadas por Serra) espalhadas por 83,6% dos municípios brasileiros, atendendo mais de 70 milhões de pessoas. Esse programa foi um dos fatores que permitia a redução da mortalidade infantil (média nacional) de 47,8 (em 1994) para 29,6 óbitos por 1.000 crianças nascidas vivas (em 2002), superando a meta estipulada pela Cúpula das Nações Unidas pela Criança, que era de 32 óbitos por mil nascidos vivos. A região mais beneficiada foi a do Nordeste, que registrou queda de 40% nos óbitos, e os melhores índices foram obtidos no Sul e Sudeste: 20 óbitos por mil, antes de completar o primeiro ano de idade.
Em seguida, Serra enfrentou nova batalha, desta vez contra o lobby de fabricantes de cigarros. O então ministro conseguiu aprovar lei restringindo a publicidade que induzia crianças e jovens ao vício de fumar, obrigando ainda as fábricas a inserir nos maços de cigarros advertências quanto aos efeitos nocivos causados pelo tabaco aos fumantes e à saúde pública.
Outra grande vitória foi obtida contra os laboratórios fabricantes dos remédios contra Aids. Para conseguir que baixassem os preços elevadíssimos que praticavam, ameaçou a quebra das patentes, instrumento defendido ferrenhamente pelos países que detêm o controle da tecnologia no setor de fármacos. Para poder ter o direito de quebrá-las, conseguiu, fato inusitado, a aprovação unânime de propositura na Organização Mundial de comércio, em Doha, ocasião em que, aplaudido de pé, o Brasil obteve uma de suas mais extraordinárias vitórias diplomáticas.
Por esta conquista, Serra foi considerado pelo jornal New York Times como o melhor ministro da Saúde do mundo.
Em sua gestão, o sarampo foi erradicado, a distribuição de remédios gratuitos triplicada, e vieram as vacinas contra a gripe, pneumonia e tétano. Centenas de novas ações mudaram o perfil da saúde pública, e o SUS passou a ser respeitado.
Hospitais foram recuperados, construídos e equipados através do Reforsus. A importação de equipamentos médicos de alto custo, os mais modernos, foi quadruplicada. Seiscentos e cinquenta milhões de dólares foram investidos na recuperação de hospitais, hemocentros, prontos-socorros e clínicas. O sistema de saúde foi descentralizado, com maior entrosamento entre o Ministério e as Secretarias de Saúde estaduais e municipais.
Serra fez uma revolução na saúde pública. Com esta imensa contribuição, a expectativa de vida média da população subiu de 62 anos, em 1980, para 68,6 anos em 2000, e posteriormente para mais de 70 anos.
José Serra teve participação decisiva na aprovação da Emenda Constitucional nº 29/2000, que assegurou recursos orçamentários mínimos e estáveis para o financiamento das ações e serviços públicos de saúde (em % do PIB), abrangendo a União, estados e municípios, providência necessária para livrar a saúde da dependência de soluções transitórias, como a CPMF e empréstimos do FAT.
Em suma, Serra mostrou experiência e capacidade para efetuar as reformas que a população reclama, para melhorar o desempenho da máquina pública, tornando-a mais eficiente e confiável, e para transformar ideias e concepções de políticas públicas em realizações. Ele contribuiu, efetivamente, para ajudar a transformar o Brasil numa verdadeira democracia social.