O advogado Antonio Cláudio Mariz, que defende Ayanna Tenório, tentou desqualificar a principal testemunha de acusação da ex-vice-presidente do Banco Rural como forma de mostrar que a executiva não tinha conhecimento das irregularidades na instituição financeira.
A estratégia já havia sido apresentada por Márcio Thomaz Bastos, advogado de José Roberto Salgado. Ambos afirmaram que Carlos Godinho, superintendente do Rural à época do mensalão, teria manipulado informações em seus depoimentos para incriminar os diretores do banco. Segundo Mariz, que leu no plenário o depoimento de Godinho ao Ministério Público, o ex-funcionário dizia sempre se reportar a Ayanna.
“O interessante é que o contato de Godinho com ela era constante. Mas ele nunca a alertou dos fatos que ele veio a denunciar. Por que ele não contou que nunca comunicou a Ayanna a respeito das dúvidas e de ilícitos no banco? Nunca falou! Ele vem mais tarde e diz que Ayanna não pertencia ao comitê de crédito, mas que ela deveria saber de tudo que estava acontecendo. Deveria como, se ele não colocava no relatório? Por osmose? Por adivinhação?¿, questionou o advogado.Em depoimento ao Ministério Público, Godinho afirmou que os empréstimos do Banco Rural ao PT e às empresas de Marcos Valério “foram feitos para não pagar, mas para mascarar a entrada de recursos que vinham de outra forma”. Ele também disse que “é falsa” a versão que atribui ao falecido vice-presidente do banco, José Augusto Dumont, o envolvimento do PT com o empresário mineiro, apontado como operador do mensalão.
“Estamos diante do dolo ou da culpa? Houve temeridade, houve risco excessivo. Mas ao mesmo tempo, se fala que esses empréstimos não existiram. Ela não conhecia José Dirceu, Marcos Valério. Ela não conhecia os integrantes do núcleo político e não teve contato com ninguém. Ela estava imbuída de algum ideal cívico para dar dinheiro ao governo?”, rebateu Mariz.Ainda segundo o advogado, Ayanna Tenório não tem formação em finanças e não conhecia totalmente as responsabilidades que estavam sob seu comando. “Ela estava, sim, na pirâmide organizacional do banco. Ela pertenceu ao comitê de lavagem. E só. Ayanna está sendo responsabilizada pelo organograma. É a responsabilidade de papel, não de conduta”, afirmou.
Ayanna Tenório é acusada de formação de quadrilha, lavagem de dinheiro e gestão fraudulenta. Segundo o Ministério Público, ela autorizou a renovação dos empréstimos no Banco Rural e não teria notificado o Banco Central sobre as operações suspeitas feitas pelas empresas de Marcos Valério.Para a Procuradoria Geral da República (PGR), Ayanna e os outros dirigentes do Banco Rural viabilizaram parte da prática dos crimes do mensalão injetando R$ 32 milhões em recursos na quadrilha, supostamente chefiada pelo ex-ministro José Dirceu. Segundo a Procuradoria, os saques “jamais foram comunicados aos órgãos de controle financeiro”.
O mensalão do PT
Em 2007, o STF aceitou denúncia contra os 40 suspeitos de envolvimento no suposto esquema denunciado em 2005 pelo então deputado federal Roberto Jefferson (PTB) e que ficou conhecido como mensalão. Segundo ele, parlamentares da base aliada recebiam pagamentos periódicos para votar de acordo com os interesses do governo Luiz Inácio Lula da Silva. Após o escândalo, o deputado federal José Dirceu deixou o cargo de chefe da Casa Civil e retornou à Câmara. Acabou sendo cassado pelos colegas e perdeu o direito de concorrer a cargos públicos até 2015.No relatório da denúncia, a Procuradoria-Geral da República apontou como operadores do núcleo central do esquema José Dirceu, o ex-deputado e ex-presidente do PT José Genoino, o ex-tesoureiro do partido Delúbio Soares, e o ex- secretário-geral Silvio Pereira. Todos foram denunciados por formação de quadrilha. Dirceu, Genoino e Delúbio respondem ainda por corrupção ativa.
Em 2008, Sílvio Pereira assinou acordo com a Procuradoria-Geral da República para não ser mais processado no inquérito sobre o caso. Com isso, ele teria que fazer 750 horas de serviço comunitário em até três anos e deixou de ser um dos 40 réus. José Janene, ex-deputado do PP, morreu em 2010 e também deixou de figurar na denúncia.
O relator apontou também que o núcleo publicitário-financeiro do suposto esquema era composto pelo empresário Marcos Valério e seus sócios (Ramon Cardoso, Cristiano Paz e Rogério Tolentino), além das funcionárias da agência SMP&B Simone Vasconcelos e Geiza Dias. Eles respondem por pelo menos três crimes: formação de quadrilha, corrupção ativa e lavagem de dinheiro.
A então presidente do Banco Rural Kátia Rabello e os diretores José Roberto Salgado, Vinícius Samarane e Ayanna Tenório foram denunciados por formação de quadrilha, gestão fraudulenta e lavagem de dinheiro. O publicitário Duda Mendonça e sua sócia, Zilmar Fernandes, respondem a ações penais por lavagem de dinheiro e evasão de divisas. O ex-ministro da Secretaria de Comunicação (Secom) Luiz Gushiken é processado por peculato. O ex-diretor de Marketing do Banco do Brasil Henrique Pizzolato foi denunciado por peculato, corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
O ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha (PT-SP) responde a processo por peculato, corrupção passiva e lavagem de dinheiro. A denúncia inclui ainda parlamentares do PP, PR (ex-PL), PTB e PMDB. Entre eles o próprio delator, Roberto Jefferson.Em julho de 2011, a Procuradoria-Geral da República, nas alegações finais do processo, pediu que o STF condenasse 36 dos 38 réus restantes. Ficaram de fora o ex-ministro da Comunicação Social Luiz Gushiken e do irmão do ex-tesoureiro do Partido Liberal (PL) Jacinto Lamas, Antônio Lamas, ambos por falta de provas.