Ricardo Buso*
Já está em vigor no país o programa do Governo Federal que permite a todos os brasileiros o acesso gratuito a medicamentos para o combate à hipertensão arterial e diabetes. Reconheçamos tratar de uma medida que nobremente beneficia e alivia substancial parte da população que se encontra dividida entre a própria saúde e o orçamento doméstico.
Entretanto, ao considerarmos que o acesso a medicamentos (mesmo não sendo dos mais caros) é condição primordial para reconhecer a aptidão sócio-econômica de um cidadão, entendo que a necessidade da medida atesta as severas restrições de renda de boa parte das famílias brasileiras.
Tal raciocínio deixa de ser simples quando pensamos que há oito anos alardes são constantemente lançados sobre uma distribuição de renda auto intitulada profunda, à qual grande volume de recursos públicos está vinculado e, ao que parece, ainda não foi capaz de prover esse acesso básico à população ao longo dos anos.
Muito melhor que graciosamente receber o medicamento de uso contínuo seria se cada brasileiro pudesse, sem problemas, adquiri-lo, ideal deveras muito distante da atual realidade.
Entendo que um governo pode contribuir para a saúde de sua população garantindo respaldo às condições macroeconômicas, fomentando investimentos na área, estimulando a concorrência de mercado, trabalhando marcos regulatórios do setor, quebrando monopólios em áreas críticas e, sobretudo, assegurando condições de cidadania, na qual possa o trabalhador se capacitar ao verdadeiro provimento das necessidades familiares. Tudo isso, infelizmente, não pode ser pensado emergencialmente; requer compromisso ideológico de longa data para maturação.
A implantação da idéia de governo dito “provedor” é característica de regimes tradicionalmente pouco democráticos e, paulatina e discretamente, algumas conquistas brasileiras nesse sentido podem ser banalizadas.
Pensando na continuidade de um governo marcado também por trabalhar números e dados estatísticos de uma maneira “diferente”, não podemos deixar de analisar que tal “graciosa” atitude pule importantes etapas de avaliação para se conseguir uma melhor aceitação popular a um sistema de saúde tão crítico, que carece de muito mais que tratar parte do sintoma e não da origem dos problemas.
Do ponto de vista fiscal, quando relacionamos o caráter de provedor da medida à altíssima carga tributária do país, averiguamos que para fazer jus ao brutal peso dos impostos suportados pela população nosso precário sistema de saúde pública precisaria de muito mais para funcionar apenas satisfatoriamente. Em vista do longo caminho a percorrer, a medida parece um tanto quanto desconexa.
Por fim, mesmo sob essas críticas, não posso deixar de reconhecer que, pela atual precariedade da saúde pública e pelas condições sócio-econômicas, emergencialmente a medida traz um grande benefício, do qual a população é digna merecedora. Mas, seja do ponto de vista da saúde pública ou da distribuição de renda e cidadania, a população merece muito mais.