O título deste post é uma contradição em si mesmo. Como uma ditadura pode ser constitucional? Pois esta é mais uma “jabuticaba” brasileira. De certa forma a ditadura implantada no país em 1964 foi uma Ditadura Constitucional. Isto é, os golpistas impuseram um conjunto de leis e agiam dentro dessa “legalidade”.
Quando João Goulart deixou Brasília em 31 de março e voou para Porto Alegre, sem sair do Brasil, o presidente da Câmara, Auro Soares de Moura Andrade, declarou o cargo vago e, em 9 de abril, com a assinatura dos ministros militares, editou-se o Ato Institucional nº 1. Ele diz:
“A revolução vitoriosa se investe no exercício do Poder Constituinte. Este se manifesta pela eleição popular ou pela revolução. Esta é a forma mais expressiva e mais radical do Poder Constituinte. Assim, a revolução vitoriosa, como Poder Constituinte, se legitima por si mesma. Ela destitui o governo anterior e tem a capacidade de constituir o novo governo. Nela se contém a força normativa, inerente ao Poder Constituinte. Ela edita normas jurídicas sem que nisto seja limitada pela normatividade anterior à sua vitória….. O Ato Institucional que é hoje editado pelos Comandantes-em-Chefe do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, em nome da revolução que se tornou vitoriosa com o apoio da Nação na sua quase totalidade, se destina a assegurar ao novo governo a ser instituído, os meios indispensáveis à obra de reconstrução econômica, financeira, política e moral do Brasil…A revolução vitoriosa necessita de se institucionalizar…”.
Esse Ato manteve a Constituição de 1946 e determinou a eleição, pelo Congresso Nacional, do novo Presidente do Brasil apenas dois dias após a sua promulgação. Assim o general Castelo Branco foi eleito Presidente.
E assim por diante vão se editando Atos Institucionais, Atos Complementares e Decretos-lei que estabeleceram o arcabouço institucional do país, mantendo o Congresso, o Judiciário e a Imprensa funcionando, com seus membros sendo ameaçados, se não cassados, ou demitidos e colocados na reserva no caso dos militares, quando o regime entendia necessário. Em 1968 Castelo Branco editou Ato Institucional convocando o Congresso para votar uma nova Constituição. Ela foi promulgada no início de 1967, mas ainda assim novos Atos eram baixados. Ficou em vigor até 1988.
Em 1985, com o regime agonizante, o Colégio Eleitoral que havia sido determinado por um desses atos elege Tancredo Neves e José Sarney. Com a doença do primeiro, o segundo assume, convoca uma Assembleia Nacional Constituinte que vota e promulga a atual Constituição de 1988.
Como se vê, a ditadura militar manteve funcionando, sob tutela, as instituições características de uma Democracia, sempre apoiada na Constituição que ela mesmo escreveu e emendou ao seu talante. Uma Ditadura Constitucional.
No Brasil de hoje não há intervenção do poder militar. Porém, os arranjos políticos dos detentores do Poder Executivo ( o PT e seus aliados ) provocam resultados semelhantes aos havidos após o golpe de 64 na vida política do país. Como no passado, as oposições políticas são bloqueadas por artifícios e artimanhas do governo. Sem tortura, sem violência, sem a ameaça de cassação de mandatos. Antes se controlavam parlamentares, juízes e promotores com a ameaça de cassação. Hoje se faz pela cooptação, pela distribuição de benesses, pelo acesso a cargos e instrumentos de poder que se transformam em enriquecimento ilícito. Ontem se controlava a imprensa pela censura, aberta ou sub-reptícia, hoje se faz pela distribuição da publicidade.
Vivemos uma nova modalidade de Ditadura Constitucional. No modo de ser petista, mais antidemocrático – porque não transparente – do que aquilo que se enfrentava no período pós golpe. Para dar um exemplo vou expor um caso em que estive no centro dos acontecimentos.
Em 1979, primeiro ano do meu mandato de deputado federal, ainda sob o mesmo regime ditatorial, encabecei um requerimento de convocação de CPI para investigar uma operação entre o BNH ( Banco Nacional da Habitação ) e a empresa privada Delfim – Crédito Imobiliário. O BNH havia recebido terrenos, como pagamento de uma enorme dívida da empresa, por um valor que se denominou “valor potencial”, e não pelo valor de mercado. O “valor potencial” era muito superior ao do mercado, pois era o resultado da operação imobiliária que seria feita pela devedora, virtual pois, nos terrenos em questão ( construção, venda e recebimento do seu produto ), uma fantasia que, se realizada, daria como resultado um lucro imaginário. Esse lucro imaginário foi o que se chamou de “valor potencial”. Um escândalo de dimensões astronômicas. Essa decisão foi respaldada pelos ministros do Planejamento, Fazenda e Interior: Delfim Neto, Ernani Galveas e Mario Andreazza.
A CPI foi constituída, fui o relator da mesma e chegamos à conclusão que a operação era fraudulenta, com indiscutível responsabilidade dos ministros. O resultado da CPI foi remetido ao Ministério Público que, como tudo naquela época, era dominado pelo Executivo e dele, com a Imprensa silenciada, não se teve mais notícia.
Mesmo naquela época, com o regime ditatorial em pleno funcionamento, os donos do poder não tiveram a coragem de impedir o funcionamento da CPI. Nos dias atuais, mesmo não tendo os poderes formais da ditadura, o governo petista consegue impedir, com artimanhas e subterfúgios, o funcionamento desse instituto, como no recente caso da Petrobrás, essencial para o funcionamento da oposição e da própria Democracia.
Por isso não é exagero afirmar que vivemos, com formato diferente, no modelo petista, uma Ditadura Constitucional. Assim como na época a derrota do regime dependeu da vontade e mobilização do povo brasileiro, esse governo que aí está agonizando poderá – e será – derrotado pela vontade e mobilização do mesmo povo brasileiro.