O governo federal anunciou, com a retumbância com que habitualmente se apropria do que não lhe pertence, a regulamentação da Lei Antifumo. Nunca foi tão verdadeira a frase segundo a qual as gestões petistas têm ideias boas e novas. Só que as novas não são boas e as boas não são novas. A proibição da publicidade (enganosa) de cigarros foi feita há 14 anos, no governo FHC, ao lado da proibição do fumo em aviões e de alertas sobre os perigos para a saúde estampados nos maços do produto.
Mais ainda, no Estado de São Paulo, há muitos anos enviei à Assembleia Legislativa um projeto banindo o fumo dos locais fechados de uso coletivo, públicos ou privados, e proibindo os famigerados “fumódromos”.
Na vida pública travamos certas batalhas que são apenas necessárias porque constituintes mesmo da tarefa: organizar a administração, dinamizar a burocracia, lidar com a escassez de recursos em face de demandas sempre crescentes, encurtar as atividade-meio para que a gestão possa dedicar-se a seus fins. E há as batalhas volitivas, que são escolhas, as quis têm o potencial de mudar para sempre a realidade, instituindo-se, então, uma nova cultura. Na minha trajetória política, orgulho-me, em particular, de três opções – contrariando, muitas vezes, algumas vozes até sensatas, movidas pela prudência, que me alertaram de que poderia estava mexendo em vespeiro. E estava mesmo.
A estruturação de uma política nacional de combate à aids custou-me, sim, muitas dores de cabeça. A quase unanimidade das pessoas reconhecia que era preciso dar uma resposta de Estado à epidemia, mas havia um grande mal-estar porque a campanha educativa sobre o assunto mexia com certos tabus comportamentais envolvendo a sexualidade. Passados tantos anos, não nos damos conta das barreiras que foram quebradas.
A distribuição gratuita de remédio para as pessoas contaminadas também se afigurava custosa e complicada, de logística difícil. Mas insistimos. E o País teve reconhecido pela ONU seu papel de vanguarda na luta contra esse terrível mal. Em razão dos preços exorbitantes dos medicamentos contra a aids, protegidos por patentes, que tornavam inviável nosso programa, intimamos os fornecedores: ou reduziam os preços ou imporíamos a licença compulsória para sua fabricação. Ganhamos essa batalha aqui, em nosso país, e na Organização Mundial do Comércio, que, por nossa iniciativa, aprovou o direito de o Brasil e outros países em desenvolvimento adotarem tal medida.
Outra luta difícil foi a implementação dos medicamentos genéricos. Uma leitura torta – que nem direi “fundamentalista” porque, parece-me, era mais burra que de princípio – via na sua produção uma afronta à Lei de Patentes, apesar de os genéricos serem clones mais baratos de medicamentos com patentes vencidas. Desde o começo do bom combate deixei claro que não se tratava de opor uma suposta luta humanista a dogmas de mercado. Era essa uma falsa oposição. E se era de lei de mercado que se falava, o que vi foi o florescimento da indústria farmacêutica no País.
Nos governos petistas, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) foi loteada entre partidos e facções de partidos, voltando-se à prática de criar dificuldades para vender facilidades. Quando deixamos o Ministério da Saúde, um remédio genérico era aprovado em quatro ou cinco meses. No governo petista chega-se, em média, a 30!
A terceira escolha que nem sempre me rendeu simpatias e da qual poderia ter declinado foi o combate ao cigarro. Erra feio quem imagina que decidi transformar em política pública uma intolerância pessoal. Era preciso dar início a um trabalho de educação que implicasse a redução da aceitação social do cigarro, desestimulasse os jovens a experimentá-lo, dificultasse o acesso ao produto, rompesse a bolha de glamourização de uma prática nefasta e preservasse a saúde dos fumantes passivos.
A Lei Federal 10.167, de dezembro de 2000, baniu a propaganda de cigarro de TVs, rádios, jornais e eventos esportivos. A pressão foi gigantesca. Se a questão dos genéricos mexia com um dogma, a proibição da propaganda de cigarro tocava em outro: muitos chegaram a ver uma agressão explícita a direitos individuais, como se estivéssemos tentando fazer escolhas em lugar dos cidadãos. Em fevereiro de 2002 os maços de cigarro passaram a ostentar fotos que alertam para os males do tabaco.
Compreendo, sim, as críticas de que não há Estado autoritário o bastante que proíba o suicídio – afinal, as pessoas podem alegar que têm o direito de se matar. É verdade. Mas também desconheço Estado que seja tão liberal a ponto de permitir que se crie e institua uma verdadeira indústria da morte. Há documentos em penca demonstrando que a indústria tabagista, em passado nem tão distante, se concentrava na conquista da adesão dos jovens – os adultos são clientes cativos, pois dificilmente conseguem largar o vício. E o caminho era exatamente a propaganda enganosa, ligando o cigarro à beleza, à vida saudável e à virilidade. Chegou-se mesmo a estampar no produto advertência como “consuma com moderação”, sugerindo que pudesse haver níveis seguros de consumo de tabaco.
Diga-se que o sucesso das medidas antitabagistas foi espetacular: o consumo per capita de cigarros no Brasil caiu cerca de 33% entre a década de 1990 e a passada. Só entre 2006 e 2012 o número de fumantes caiu 20%. Hoje, 87% dos fumantes dizem que se arrependeram de ter adquirido o hábito!
A lei federal que vai entrar em vigor em seis meses há muito está em curso no Brasil; uma parte dela, em São Paulo e alguns outros Estados. Não é nova, mas é boa. Aliás, quando o petismo se limita a repetir experiências bem-sucedidas, deve ser aplaudido. O problema é que essa turma prefere errar sempre de modo muito original – a total falta de iniciativa nessa área há 11 anos e a demora em regulamentar a lei, aprovada há dois anos, são parte desses erros.
De todo modo, cabe-me dar boas-vindas aos neoantitabagistas. Aplaudo o PT quando apaga uma má ideia e copia uma boa.