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Heveicultura

Xico Graziano

É muito interessante a história da borracha no Brasil. Descoberta nas árvores da Amazônia, sua exploração originou, há cerca de 150 anos, um extraordinário ciclo de riqueza no Norte do País. Ganhou o mundo, mas, curiosamente, abandonou seu passado. Hoje a borracha ostenta sua glória na Ásia.

Tailândia, Indonésia e Malásia, somadas, produzem 72% da borracha explorada mundialmente, ranking em que o Brasil ocupa o distante 9.º lugar. Por incrível que pareça, a terra natal da Hevea brasiliensis compra do estrangeiro dois terços da borracha natural que consome, utilizada nos pneus e demais bens fabricados com a utilíssima seiva.

Durou pouco, meio século, o ciclo econômico da borracha no Brasil, com apogeu em 1910. Nesse ano, 40% da receita cambial brasileira teve origem no látex embarcado, o mesmo patamar das exportações de café. Incrível. Daí em diante, todavia, entrou em cena a produção asiática, derrubando o monopólio dos preços internacionais. Chegou o declínio. Passada uma década, as vendas brasileiras significavam apenas 15% da oferta mundial.

Essa queda carrega um exemplo daquilo que se denomina modernamente biopirataria. Começou em 1876, quando os ingleses, capitaneados por Henry Wickman, levaram milhares de sementes de seringueira para o Jardim Botânico de Londres. Ali receberam a atenção do melhoramento genético, gerando variedades mais produtivas, levadas posteriormente para as colônias inglesas na Ásia, inicialmente Ceilão e Cingapura.

Ninguém esperava o golpe. Na febre da exploração dos seringais nativos do Amazonas, enquanto a Cia. Lírica Italiana encenava, em 7 de janeiro de 1897, a avant-première de La Gioconda, ópera de Amilcare Ponchielli, inaugurando a sala de espetáculos do magnífico teatro de Manaus, o maior patrimônio cultural e arquitetônico do ciclo nacional da borracha, os espertos ingleses avançavam no desenvolvimento da heveicultura, baseada em plantios racionais da nobre árvore. Um show de competência agronômica.

Décadas depois, possivelmente inspirado nesse sucesso inglês, um ambicioso empresário norte-americano protagonizou, ao contrário, um redundante fracasso. Henry Ford, líder na fabricação de automóveis, imaginou produzir, sozinho, metade da borracha consumida no mundo da época. Comprou 1 milhão de hectares de terras no Pará e mandou construir, no final da década de 1920, uma cidade – a Fordlândia – para comandar seu empreendimento. Deu tudo errado.

Uma doença, chamada mal-das-folhas, se esconde por trás do infortúnio da Fordlândia na Amazônia e, ao mesmo tempo, explica a vantagem da heveicultura asiática. Existente somente na umidade da Amazônia, o fungo Microcyclus ulei ataca as folhas jovens da seringueira, derrubando-as, reduzindo a capacidade fotossintética da árvore. Chega a matar a planta.

Na floresta nativa, o mal-das-folhas se controla pelo equilíbrio natural das espécies, facilitado pela rala dispersão das grandes árvores no território. Nas lavouras homogêneas, entretanto, sua fácil disseminação se mostrou devastadora. Isso mesmo. Um fungo derrotou o magnata da Ford. Por outro lado, distantes do terrível inimigo que povoa a Hileia, os plantios asiáticos prosperaram.

A troca do ecossistema de produção explica também a supremacia paulista na heveicultura nacional. Com quase 80 mil hectares plantados, São Paulo ultrapassa metade da produção interna de borracha. Poucos sabem disso. Nas lavouras da região de São José do Rio Preto, onde se concentra a produção paulista, a produtividade média supera em até 40 vezes os projetos extrativistas da Amazônia. Resultado: dos seringais que imortalizaram Chico Mendes chega ao mercado abaixo de 3% das 130 mil toneladas de borracha produzidas no Brasil. Vitória da moderna agronomia sobre a coleta florestal.

Muita coisa se transformou desde que o inglês Joseph Priestley descobriu, em 1770, que aquela goma utilizada pelos indígenas amazônicos servia para limpar a escrita a lápis, apelidando-a de “borracha” (rubber). Mas foi Charles Goodyear, em 1838, que descobriu a vulcanização, processo que acrescenta enxofre ao látex, fazendo-o trocar a viscosidade pela elasticidade. Nascia o pneu.

Uma curiosa disputa permeia essa história. Na 2.ª Guerra, após o ataque aos norte-americanos em Pearl Harbor, os japoneses tomaram a Malásia e as Índias Orientais holandesas, passando a controlar o suprimento mundial de borracha. Virou uma “guerra da borracha” entre as duas potências. Os norte-americanos, visando a reduzir o desgaste dos pneus e economizar borracha, inventaram uma lei que limitava a velocidade dos carros nas estradas a 35 milhas (56,3 km) por hora. Pouco funcionou. Surgiu, assim, a borracha sintética, derivada do petróleo, que ocupa hoje 56% do mercado.

Os produtores brasileiros de borracha iniciam 2012 satisfeitos. O ano passado apresentou-lhes ótimos preços. A forte demanda fez recuarem os estoques mundiais. E na economia de baixo carbono a borracha sintética perde moral para o látex natural.

Crescem as florestas plantadas com seringueira, expandindo-se também para Mato Grosso do Sul e, menos, Minas Gerais. Típica de pequenos produtores, geradora de bons empregos e garantida renda, a moderna heveicultura em nada se assemelha àquela época em que as óperas encantavam a burguesia na Amazônia, levando o governo brasileiro a comprar o Acre (1903) e delirar com a construção de uma ferrovia – a Madeira-Mamoré – cujo malogro se tornou um vexame escondido da engenharia nacional.

Moral da história: a opulência espanta o progresso sustentável. E a tecnologia chama a virtude. Na borracha se encontra boa prova disso.

 

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