A Lei nº 11.340/2006, mais conhecida como Lei Maria da Penha, completa uma década de existência no próximo domingo (7). A lei ajudou a salvar a vida de milhares de brasileiras, vítimas de violência doméstica e familiar. Desde a sua criação, as denúncias contra a violência de gênero cresceram 605% em todo país. Mais de 735 mil processos estão atualmente em andamento na Justiça, em apenas 14 estados. Somente em 2015, 941 novos casos chegaram aos tribunais por dia. Os números são de um levantamento feito pelo jornal O Globo nas últimas semanas, em todas as regiões.
Ainda assim, apesar das conquistas, a violência contra a mulher é sistêmica, e os casos de agressão continuam a subir. Parte do problema é a falta de punições mais severas aos agressores. É o que aconteceu com Adriana*, desempregada, 40 anos e mãe de três filhos, de 17, 7 e 3 anos de idade. Ela conviveu durante nove anos com um homem que a agredia e ameaçava diariamente. Dependente químico, ele já cumpre pena há dois meses e meio por ter desrespeitado uma medida protetiva que determinava que ele se afastasse da família.
“Em dezembro aconteceu que ele me deu um murro. Eu fui para o IML [Instituto Médico Legal], fiz ocorrência, e aí deram a medida protetiva. Só que ele não respeitou. Ele ficou um dia e uma noite preso. Quando ele foi solto, foi para a [minha] casa. Eu acho muito pouco. Não dá tempo nem de eu respirar, nem arrumar minha vida. Ainda não consegui trabalhar, perdi um emprego que eu tinha. É muita necessidade, muito sufoco, sabe? Eu fiquei fora do mercado de trabalho. Para entrar agora é meio complicado”, contou.
A decisão de denunciar o ex-companheiro pela primeira vez, em dezembro do ano passado, veio após o filho do meio apresentar comportamentos agressivos na escola. Mesmo com todos os percalços, Adriana sonha em casar novamente e ter uma família normal.
“Ele [o ex-marido] é muito de me prender dentro de casa, não gosta que eu saia. Ele acha que eu não tenho que pentear o cabelo, usar uma roupa diferente. Ele é doente. A vida inteira eu só me culpei. É muita culpa em cima de mim. Muitas pessoas me julgando. Acredito que existem ainda pessoas boas. Eu tenho um sonho desde criança e ainda não realizei, que é um casamento e uma família feliz. Um marido normal”, disse.
Mulher com deficiência
A deputada federal Mara Gabrilli (PSDB-SP) reconheceu os avanços da Lei Maria da Penha ao longo de dez anos, mas destacou que o caminho a ser percorrido ainda é longo, especialmente nos casos de violência contra mulheres com deficiência. A tucana ressaltou que a suscetibilidade de uma mulher com deficiência a diversos tipos de agressão é três vezes maior do que a de uma mulher comum.
“A mulher com deficiência já passa privações por falta de políticas públicas na saúde, na educação, no trabalho, e isso acaba aumentando a suscetibilidade à violência. Um instituto formado em 2008, o International Network of Women with Disabilities (INWWD), composto por várias organizações e redes internacionais, detectou que 70% das jovens com deficiência intelectual, por exemplo, já sofreram algum tipo de abuso sexual. Desses casos, a maioria nunca chega ao conhecimento das autoridades. São números que te deixam chocada, porque no mundo inteiro são 40% das mulheres com deficiência que já foram vítimas de violência doméstica”, apontou.
Para a parlamentar, falta à sociedade, sobretudo, informação: é a visão preconceituosa e desinformada de muitos que acaba impondo às mulheres com deficiência uma violência velada, que repercute no modus operandi da população.
“É essa visão de que muitas vezes a mulher com deficiência não tem condição, capacidade de assumir postos de trabalho, de ter uma boa colocação dentro de uma empresa, ou de assumir grandes cargos. Essa visão limitada e desinformada é uma violação, que vai se manifestando de várias formas: como agressão física, como intimidação, como fraude, negligência, manipulação psicológica, coerção econômica, e tudo isso é fruto de uma cultura que muitas vezes não enxerga essa mulher. Precisamos não só conscientizar as próprias mulheres sobre os seus direitos, mas também equipar os órgãos de saúde, os órgãos da Justiça, para um acolhimento mais adequado a essa população. Pensar que, quanto mais vulnerável a pessoa fica, mais sujeita à violência”, avaliou Gabrilli.
Violência psicológica
A violência de gênero, que vai muito além da agressão física, também é tipificada pelo abuso psicológico. Na tentativa de desenvolver um mecanismo legal específico para as vítimas desse mal, o deputado federal Carlos Sampaio (PSDB-SP) apresentou o projeto de lei nº 6.622, de 2013, que classifica como crime de violência psicológica os danos emocionais que podem ser causados pela diminuição da autoestima, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento ou qualquer outra ação de prejuízo à mulher.
Relatora da proposta, que atualmente está sob análise na Comissão de Seguridade Social e Família (CSSF) da Câmara, a deputada federal Shéridan (PSDB-RR) lembrou que não há, no atual ordenamento jurídico, uma legislação específica que trate de violência psicológica.
“O que ocorre hoje é que os autores de violência psicológica contra a mulher são punidos pelos crimes de ameaça, de constrangimento ilegal, de injúria, etc. Ou seja, são crimes com penas muito baixas e desproporcionais ao sofrimento que é causado às mulheres vítimas desses delitos”, constatou.
A tucana acrescentou que o projeto traduz a intenção do Estado brasileiro de romper com os velhos paradigmas de “tratamento inadequado e inadmissível contra a mulher”.
“A proposição representa um passo a mais no combate à violência contra a mulher, que, em todas as suas formas – física, psicológica, sexual, moral –, é um dos grandes males que assolam o nosso país”, completou Shéridan.