Por José Serra
Pouco adianta nos queixarmos sobre o muito que perdemos nos últimos três anos, quando podemos felicitar-nos pelo que aprendemos enfrentando a crise de governo. Foi esta crise política que cerceou a capacidade de resposta do sistema de combate à pandemia, que, por sua vez, repercutiu negativamente sobre a estabilidade e o crescimento da economia.
A principal lição diz respeito à resiliência de nosso sistema institucional que, com todas suas deficiências, resistiu às seguidas ameaças de golpe contra a Constituição e a democracia representativa. A despeito da prevalência das desigualdades, apesar das discriminações e da disseminação do ódio, as tentativas de supressão das liberdades fundamentais foram rechaçadas, como foi o caso dos ataques ao voto secreto e à vigência da Constituição.
Outra lição foi a manifestação da capacidade dos brasileiros para impor a adoção de uma ampla cobertura vacinal, apesar de todos os obstáculos e omissões do Executivo federal. O movimento nacional em defesa de medidas de proteção contra a disseminação da covid-19, fortalecido e legitimado pelo Sistema Judiciário e apoiado nas prerrogativas da federação, foi vitorioso, e o desempenho da sociedade brasileira é hoje exemplo para o mundo.
Tivesse o Executivo brasileiro a prerrogativa de decidir, como na França ou no Reino Unido sobre a definição e a implementação das políticas públicas para toda a União, imagine-se o que teria sido do povo brasileiro, diante do alastramento da infecção, abandonado à sua própria sorte, e constrangido a submeter-se a experimentos e prescrições equivocadas.
Outra lição foi a mudança de atitude entre partidos e candidaturas, por oposição à campanha eleitoral de 2018. Em vez de se digladiarem em batalhas que aguçam a fragmentação das candidaturas de centro, forçando uma escolha por rejeição, partidos e candidatos têm conversado entre si. Primeiro para tomar o pulso uns dos outros, já que nada se tem visto de algo parecido com uma convergência entre expectativas e propostas. Mas hoje essas conversas chegam perto do que se poderia chamar uma negociação, o que abre uma fresta, mesmo pequena, para a formação de uma aliança formal em torno de uma agenda comum de políticas e de compromissos com um futuro governo.
Outra lição, ainda pouco discutida, é de como medidas meramente casuísticas, adotadas para fugir de novas exigências legais, podem se transformar em incentivos para a adoção de condutas políticas mais construtivas. Refiro-me à legislação que permite criar “federações” de partidos, tornando possível a sobrevivência daqueles que não satisfazem ao requisito de desempenho eleitoral mínimo. Partidos nanicos, condenados a crescentes restrições desde 2018, e atingidos pela extinção das coligações parlamentares, poderão evitar essas restrições mediante a formação de uma federação. Trata-se, claramente, de uma medida que permite fugir a punições.
Entretanto, um efeito colateral é que essa legislação cria um incentivo para uma convivência forçada entre grupos políticos com um mínimo de convergência, para uma atuação conjunta além da eleição. Correntes políticas dessas dimensões, se não fossem beneficiadas pela excessiva permissibilidade de nossa legislação partidária, teriam apenas a alternativa de aderir a partidos já existentes e, com isso, submeter-se à condição de minorias.
Para funcionar, entretanto, é necessário que os dispositivos federativos dessa legislação garantam a equidade entre legendas participantes. Para funcionar como um incentivo à criação de partidos mais competitivos, a federação tampouco poderia limitar-se a quatro anos de existência. O mínimo que se pode esperar de uma federação de partidos é que concorra em pelo menos duas eleições.
Temos observado uma movimentação crescente entre setores da opinião pública no sentido de tentar influir no processo sucessório, normalmente dominado pela elite política. Setores da elite empresarial, que habitualmente atuam nos bastidores, têm vindo a público para tomar posição. O mesmo ocorre entre organizações de profissionais. Um dos aspectos que me chama mais atenção, em alguns desses movimentos, é a pressão para que partidos e candidaturas tornem públicas suas agendas, em vez de se movimentarem exclusivamente em torno de nomes. Que isto sirva de lição para a elite política: o eleitor começa a não aceitar mais que as candidaturas definam suas prioridades, sem ouvir a Nação, que fica relegada a um papel secundário.
Finalmente, quero salientar uma lição fundamental: a falta que faz um governo que governe. O atual presidente jamais chegou a definir uma agenda clara e coerente, e frequentemente agiu em detrimento das iniciativas oriundas de seu próprio governo, sobretudo na política econômica e na gestão pública em geral. As repercussões dessa omissão sobre o combate à pandemia e a repressão à corrupção foram desastrosas.
Talvez se possa tomar a lição dos futuros candidatos, com duas perguntas singelas: para onde você vai e como pretende chegar lá?