Quem vê a mulher bela e simpática sobre saltos altos nos corredores do Diretório Estadual do PSDB paulista não imagina tudo que a ex-modelo, empresária e ativista Luiza Brunet já passou para chegar até aqui. Prestes a completar 60 anos, Luiza vive um momento de mudanças. Neste mês, se filiou ao PSDB e vai disputar por São Paulo uma das 70 cadeiras da Câmara Federal em outubro.
“Eu vou fazer 60 anos agora em maio. Quando olho para trás eu não gostaria de voltar a viver o que vivi de novo. Eu não quero ter 20 anos. Acho que a partir de agora é que eu viverei meu melhor momento porque já sou uma mulher madura, com experiência e que tem a oportunidade de fazer algo de bom para a sociedade como um todo”, diz explicando a razão que a fez assumir uma candidatura.
Nascida em uma família pobre em Itaporã, interior do Mato Grosso do Sul, Luiza é a segunda filha de oito irmãos. Aos nove anos, sua família deixou o MT e se mudou para o Rio de Janeiro.
Ela começou a trabalhar cedo. Aos seis anos, vendia vidro para reciclagem. Aos 12 trabalhou como empregada doméstica e babá de duas crianças em uma casa de família. “Era muito bom, mas eu sofri um abuso sexual nessa casa por parte de uma terceira pessoa que frequentava esse ambiente e foi um momento muito difícil para mim”, disse. “Hoje vejo que quando falo com uma vítima tenho uma compreensão maior do que ela passa, do que criança passa e a família não percebe. As famílias têm de valorizar as dores da criança e ampliar a percepção dessas dores”, diz.
Aos 16 anos, Luiza foi emancipada para casar. “Eu queria trabalhar, ser independente”, diz. Casou-se outras duas vezes. O segundo casamento durou 24 anos e deu a Luiza dois filhos. Mas foi na terceira relação que Luiza voltou a conhecer a violência. Após quatro anos de convivência, ela foi agredida pelo companheiro e resolveu denunciar. Desde então, viaja o mundo falando sobre os direitos das mulheres, da violência ao tráfico humano.
Prestes a iniciar sua primeira campanha eleitoral, Luiza falou com o tucano.org sobre sua experiência e a decisão de iniciar na política outra luta pelos direitos femininos. Confira a entrevista:
A senhora é conhecida como uma modelo de sucesso, uma mulher bem sucedida, que lidou com um episódio de violência que foi bastante repercutido, mas que poderia ter passado desapercebido se a senhora não tivesse tido a coragem de denunciar. A partir desse ponto o Brasil conheceu uma outra Luiza Brunet, ativista e agora a política. Porque resolveu enfrentar tudo isso e ser candidata a deputada federal?
Eu nasci em uma família pobre do interior do Mato Grosso do Sul. Com 12 anos minha família se mudou para o Rio de Janeiro e eu fui trabalhar como empregada doméstica. Fui para cuidar de dois meninos e acabei, na semana seguinte, assumindo todos os afazeres da casa. Era uma casa pobre também, de favela vertical. Minha patroa fazia bolo para fora, então era um ambiente cheiroso, gostoso e que sempre tinha bolo. Era muito bom, mas eu sofri um abuso sexual nessa casa por parte de uma terceira pessoa que frequentava esse ambiente e foi um momento muito difícil para mim. Hoje vejo que quando falo com uma vítima tenho uma compreensão maior do que ela passa, do que criança passa e a família não percebe. As famílias têm de valorizar as dores da criança e ampliar a percepção dessas dores. Essa pauta está um pouco difundida no Brasil, mas precisa mais. Políticas públicas foram feitas, mas precisamos de mais. Punição para os agressores precisa mais também. Quando você tem de trabalhar muito cedo, ter responsabilidade…tudo isso foi fazendo essa construção da Luiza Brunet para o que ela é agora. Eu passei por uma série de violências, de violações, de conquistas, de tombos e de levantar. Então eu aprendi a nunca entrar em grande sofrimento por um problema porque eu aprendi sozinha a sempre levantar, a cair e levantar o tempo todo e isso dá uma autonomia para você falar com propriedade e saber que tem como você se reconstruir como pessoa. A minha vida inteira foi de altos e baixos. Eu vou fazer 60 anos agora em maio. Quando olho para trás eu não gostaria de voltar a viver o que vivi de novo. Eu não quero ter 20 anos. Acho que a partir de agora é que eu viverei meu melhor momento porque já sou uma mulher madura, com experiência e que tem a oportunidade de fazer algo de bom para a sociedade como um todo. A causa da mulher é uma causa muito maior e a obrigação de uma cidadã brasileira é esta, é escolher um partido que você se adeque melhor, que te dê essa autonomia para você fazer o que acha que é bom.
Como foi a decisão de entrar na política?
Desde a década de 80 eu faço trabalho voluntário. Atuei, por exemplo, para a Irmã Dulce quando ela ainda era viva, na Bahia; para o Betinho, irmão do Henfil. Sempre trabalhei em prol de uma causa, mas agora decidi usar toda essa expertise, esse conhecimento que obtive viajando o Brasil, da complexidade que o Brasil tem, de ter conhecido e vivido com essas pessoas. Eu gosto muito de conviver com as pessoas. Por exemplo, eu me interessei muito pela pauta do tráfico humano e fui convidada a conhecer o trabalho com os refugiados da Venezuela. Eu me hospedei em Pacaraima, que é o primeiro ponto deles quando chegam, e fui conhecer o modo de vida deles lá. A imigração é um problema que o mundo está vivendo e a gente precisa entender esse movimento. E a melhor forma de entender isso é você conviver com as pessoas e saber quais são suas necessidades. Porque ninguém sai do seu país porque acha legal, sai por questões políticas, geopolíticas, sociais, enfim. É muito importante que a gente esteja disponível para conhecer e entender essas necessidades. A questão da violência doméstica eu vivenciei quando era criança, vivenciei na construção de modelo porque naquela época modelo sofria muito abuso moral e sexual, que é algo que se fala hoje em dia com o movimento “Me Too”. Temos de ter a consciência de que a mulher tem de trabalhar e receber pelo trabalho dela e ponto final. Mas existe um comportamento masculino que parece que a gente tem a obrigação de dar algo mais para os homens em troca do trabalho. Muitas mulheres aceitam isso porque precisam trabalhar, prover suas famílias. A gente precisa dizer às mulheres que elas não precisam fazer isso. Então são muitas pautas que foram vivenciadas por mim e precisam ser discutidas.
Se for eleita, de que forma essas pautas poderão reverberar?
A partir do momento que fiz a denúncia (de violência doméstica) em 2016, essa visibilidade que meu caso trouxe chancelou muitas mulheres a pensarem ‘poxa vida, se a Luiza Brunet, que é uma modelo brasileira, uma mulher representativa, com autonomia financeira, uma mulher bonita, que tem tantas qualidades, sofreu violência doméstica, então…’ isso foi muito significativo para todas as mulheres que são invisibilizadas e que sofrem também. Elas ficaram surpresas. Isso trouxe uma proximidade muito grande com essas mulheres e a solidariedade que senti foi muito legal. Por isso que fui convidada para falar em vários locais no Brasil e no exterior. Eu abri uma pauta. Isso me deu condição de pensar que estou falando para mulheres e causando impacto na vida delas. Elas estão fazendo mais denúncias, minhas falas foram replicadas em muitos jornais e isso tudo me deu condição de ajudar a ampliar o conhecimento das mulheres sobre o assunto. E isso me levou a pensar que uma vez no ativismo, falando para diversos públicos, agora é o momento de fazer um algo mais para essas mulheres. Por isso decidi entrar na disputa política.
Sua visão a respeito dessa problemática da mulher e a violência mudou depois do que você passou?
Tudo que aconteceu na minha vida ao longo desses quase 60 anos foram uma construção. Eu tomei muitas atitudes de forma orgânica, natural, por uma questão de princípios. Eu achei que tinha de fazer a denúncia porque tinha de dizer às mulheres que eu tinha sofrido uma violência. Todas as outras vezes em que eu tomei uma atitude foi para minha reconstrução como mulher. Eu me considero uma mulher corajosa e acho que posso fazer mais pelas outras mulheres.
Como você está vendo a receptividade ao seu nome desde que você decidiu participar de uma eleição?
Está sendo muito bom. Tive uma boa receptividade dos meus amigos, com quem eu trabalho, por onde passo. Senti que foi uma coisa muito positiva e isso me deu mais vontade ainda de continuar. Evidentemente a política não é fácil, a gente sabe. E você tem de arregaçar as mangas e trabalhar demais, é muita competitividade, as pautas são muito amplificadas hoje em dia, então você tem de ter um diferencial. O meu é essa vivência com tantas violações que me deu uma compreensão maior das dores das mulheres. Estou super animada para continuar. É um momento da minha vida em que eu estava me questionando: vou fazer 60 anos de idade e o que vou fazer agora? Posso repetir o que fiz, mas será que posso fazer algo mais? E aí veio a oportunidade da candidatura. Acho uma decisão importante, quebra um paradigma. Existe uma necessidade de mulheres fortes na política, as mulheres são engajadas mesmo. Há várias mulheres se candidatando agora e é importante não só para ter mulheres nos seus respectivos partidos, mas porque esse é um lugar onde a mulher tem de estar também. Tem formas diferentes de conduzir a política do lado feminino e do masculino e é importante que as mulheres possam atuar politicamente com a compreensão das nossas próprias dores, essas que os homens ainda estão no caminho para entender.
Como você vê os homens nesse processo?
Eu faço muitas palestras em que os homens também vão e acho isso muito importante. É fantástico que os homens hoje em dia frequentem esses ambientes onde se discute a mulher. Tempos atrás isso era considerado apenas mimimi. Então faço questão de sempre agradecer a presença dos homens nesses locais porque é importante a presença deles. Essa não é uma pauta de mulheres ou de homens, é um problema social que atinge a todos nós.
Hoje se discute muito a violência política contra as mulheres. Como você avalia essa situação e como imagina que pode somar nessa luta?
Já falei em Brasília, na Câmara e no Senado, e em vários estados do Brasil e nunca tive problema de ter interpelada a minha fala, de ser questionada. Eu, pessoalmente, não tive essa experiência, mas vejo, eu assisto violências absurdas contra as mulheres no sentido de as calarem, tirarem microfone, agressões de toques em partes íntimas, ou seja, o que vejo é algo muito agressivo que precisa ser denunciado. Esse é um ambiente onde deve haver respeito e onde estamos como parte de um tabuleiro no qual todas as pessoas são importantes. Infelizmente, a política é masculina e ainda trata as mulheres como se elas fossem objetos e não tivessem capacidade intelectual para gerir, para pensar e realizar. Mas estamos em um processo de conquista muito grande, as mulheres avançaram muito e quero, e estou, fazendo parte dessa construção também. Espero que em um futuro próximo a gente possa não falar mais sobre isso porque será algo ultrapassado.