As sesmarias do período colonial são a gênese das políticas públicas brasileiras, que nasceram voltadas para o benefício do europeu.
A desigualdade social, jurídica e econômica entre brancos e negros, que remonta àquele período, não arrefeceu no Brasil independente.
A Constituição de 1824 estabelecia o catolicismo como religião oficial do Estado, e este reconhecia o casamento e o batismo protestantes, em ação afirmativa que protegia as famílias imigrantes europeias.
Ao mesmo tempo, os cultos afro-brasileiros eram perseguidos, com prejuízo para a difícil organização familiar dos negros.
No primeiro ano da República, um decreto restringiu a imigração africana e asiática, ao mesmo tempo em que se incentivava a chegada de europeus.
A Constituição de 1934, primeira a garantir educação para todos os brasileiros, dizia textualmente que cabia à União, aos Estados e aos municípios “estimular a educação eugênica”.
É importante lembrar essas passagens da nossa história neste novembro, Mês da Consciência Negra. Também é importante valorizar as conquistas das populações afrodescendentes e os desafios a serem enfrentados por toda a sociedade.
Por muito tempo, o Brasil foi celebrado como o lugar da democracia racial. A desarticulação do mito só aconteceu a partir dos anos 1970, com a mobilização dos movimentos sociais, entre eles o movimento negro, na esteira da luta ampla contra o autoritarismo.
A marginalização, no entanto, não acabou. Uma crença resistente no darwinismo social leva à segregação, e esta promove a violência. É preciso combater essa realidade.
Se, no passado, a educação no Brasil foi terreno de experimentação com ideais racistas, hoje, felizmente, é ferramenta poderosa para enfrentá-las.
No Estado de São Paulo, políticas públicas combatem ativamente a discriminação que atenta contra o direito à vida, à saúde e à inclusão em todas as esferas da sociedade, incluindo a econômica. Nas escolas da rede estadual paulista, a luta se faz em todos os ciclos.
O currículo oficial no Estado aborda a temática da diversidade étnico-racial em disciplinas de ciências exatas, humanas e biológicas. Na Secretaria da Educação, o Núcleo de Inclusão Educacional trata das questões étnico-raciais e da educação escolar quilombola na rede estadual.
Os docentes de todas as 91 diretorias regionais de ensino recebem orientações técnicas e assistem a videoconferências sobre questões raciais, cultura africana e afrodescendente, história da população negra, combate ao racismo e valorização e respeito à cultura negra.
Nas universidades estaduais paulistas, o processo seletivo tem pontuação acrescida para afrodescendentes, indígenas e alunos de escolas públicas. Isso também vale nas Etecs e Fatecs do Estado, que constituem a melhor rede de ensino técnico do país e a pioneira na adoção desse mecanismo.
O Centro Paula Souza, que administra a rede, também tem uma política específica para regiões de maior vulnerabilidade social e já implantou Etecs em comunidades como Heliópolis e Paraisópolis, na capital, e o quilombo André Lopes, no Vale do Ribeira.
O combate à discriminação requer o estabelecimento, na sociedade, de um compromisso solidário de tolerância. Para destacar como isso é importante, o jurista Wilson Prudente observou que a ONU criou a iniciativa Decênio Afrodescendente 2014-2024.
Nós defendemos a construção de um diálogo nacional do qual participem todas as minorias, entre elas a comunidade negra, e outros segmentos da sociedade civil organizada.
Na era da revolução tecnológica, a informação e o conhecimento são armas poderosas para vencer o preconceito. No Mês da Consciência Negra, todos os brasileiros devem refletir sobre isso.
GERALDO ALCKMIN é governador do Estado de São Paulo (PSDB), cargo que também ocupou de 2001 a 2006. Foi deputado estadual (1983-1987) e federal (1987-1995)
CELSO LUIZ PRUDENTE, antropólogo e cineasta, é curador da Mostra Internacional do Cinema Negro