Estamos vivendo o fim da era Lula. Não passará de 2014, com o término do mandato presidencial de Dilma Rousseff. O modelo político e econômico do petismo se exauriu e a presidente perdeu, de forma irreversível, a sua credibilidade. O país vai se arrastar, cambaleante, pelo próximo ano e, independentemente do resultado das eleições, nada mais será o mesmo. Quem for eleito receberá uma herança pesada e terá de encontrar novos caminhos para superarmos a estagnação.
Mais de uma década se passou desde que o PT assumiu o governo através de Lula, uma figura diferenciada e carismática. Seu projeto, em princípio generoso, construído por uma parte das forças que compunham a resistência à ditadura – construir um novo Brasil, um país mais justo – ficou limitado à distribuição de dinheiro através de alguns programas sociais que não tocaram nas questões de fundo da nossa estrutura econômica e política. Projetos estratégicos – educação, infraestrutura, consolidação da democracia – se existiram, não se realizaram.
O governo Lula optou por um modelo de desenvolvimento baseado na ampliação do crédito e do consumo, de fôlego curto, com a finalidade de produzir resultados políticos imediatos sem levar em conta as consequências com o futuro. Esse chegou: baixo crescimento, desarticulação das relações comerciais com o exterior, desequilíbrio fiscal e inflação crescente. A ausência de uma política econômica com um claro eixo estruturante e agregador das forças da sociedade e a partidarização da administração pública, somados ao descontrole dos gastos e a uma política expansionista atabalhoada levaram à queda dos investimentos e à perda de participação da produção industrial no conjunto da economia.
O governo não plantou no país uma estratégia sustentável de crescimento econômico com distribuição de renda e bem-estar e o país perdeu a oportunidade de ouro da fase, que se encerrou, de crescimento e euforia em todo o mundo .
No entanto a melhoria das condições de vida de milhões de pessoas, beneficiadas por alguma distribuição de renda, e o quadro econômico internacional, benéfico para as economias emergentes, aliados ao pragmático arquivamento, sem quaisquer escrúpulos, dos antigos dogmas, permitiu a Lula superar os momentos de dificuldade e eleger o sucessor, sua auxiliar, Dilma Rousseff.
A inação e os equívocos de Lula de Dilma em relação aos principais problemas do país agora cobram o seu preço. As expectativas da população são muito superiores às respostas que o governo conseguiu dar. Discursos e mais discursos de Lula e Dilma sobre programas que nunca se realizam caíram no descrédito. O custo de vida abateu o poder de compra dos salários, a preocupação com o emprego passou a ser concreta e a expectativa de se ter serviços públicos de qualidade foi frustrada.
Durante anos o povo se cansou de ver como conduta dominante a corrupção de governos, de políticos e de partidos – a surpreendente armação que veio a ser chamada de Mensalão foi o ápice desse processo de deterioração. Enquanto isso a justiça continuava morosa e a sensação de impunidade revolta as pessoas comuns.
Tudo isso acabou por criar um ambiente no qual bastou uma fagulha para provocar uma explosão popular. Foi o que aconteceu quando a população percebeu que o paraíso prometido só estava sendo alcançado por aqueles que, de alguma maneira, tinham acesso e proteção do governo.
O governo Dilma já se deu conta de que, nesse final de mandato, não dá mais para construir e obter resultados com um novo modelo de desenvolvimento. Agora “Inês é morta”. E Dilma, politicamente, também. Não se faça paralelo com a situação de Lula, depois do Mensalão, que tinha ainda um enorme capital político e vivieu momentos de bonança na economia. O quadro hoje é outro. Não se antevê, no curto prazo, perspectivas de melhoria. Pelo contrário, as dificuldades políticas estão afastando os investidores e, com menos investimentos, essas dificuldades aumentarão. Um círculo vicioso difícil de romper.
Restou para Dilma ainda a última tentativa de salvar, se não a reeleição, pelo menos a honra. No apagar das luzes do mandato – um plebiscito – isto é, uma consulta à população revoltada e indignada, com o intuito de apaziguá-la e embromá-la, sobre matérias de reforma política que deviam ter sido trabalhadas durante a década de domínio petista. Lula, que chegou ao poder com esse sistema político, preferiu se omitir. Dizia que a reforma política não era problema seu. Era do Congresso.
Todos os homens e mulheres de boa vontade, com os olhares voltados para a consolidação da democracia e o futuro do país, desejam uma reforma política que crie partidos autênticos e representações respeitadas, com o máximo de participação popular. Mas não esse arremedo de última hora, uma reforma às pressas que só pode concluir em algo pior do que já temos.
Mais provável é que Dilma seja abandonada pelos aliados e pelo seu próprio partido. Qual o perigo que corremos: uma nova espécie de “Queremismo” (o movimento “queremos Getúlio”). Não para manter a presidente, como no passado se tentou fazer com o apelo à manutenção de Getúlio no poder. Agora vão pedir a volta do Lula. Lula viria com o discurso da “ordem”. Colocar ordem na casa. Pode até não pedir desculpas como fez Maluf depois do desastre da administração Pitta na Prefeitura mas vai tentar convencer de que tem a capacidade de controlar os movimentos populares e as associações de todo tipo, de evitar os desatinos, de estabelecer compromissos para atender as demandas do povo e de retomar um passado que apresentou como “nunca antes nesse país”. Pensa que o povo vai esquecer de que ele é o maior responsável pela crise em que vivemos.
Podemos esperar dias difíceis. O lulopetismo não abandonará as benesses do poder assim sem mais nem menos. Mas o seu sucesso é improvável.